segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Fitas de Cetim

Existe um grande feito no universo musical que nem sempre é notado, ou ao menos nem sempre é valorizado: o da feliz coincidência entre forma e conteúdo. Já comentei aqui o caso de "Love", do John, que acredito ser o mais feliz resultado desta combinação (a música de fato parece um cristal de tão perfeita, não há nada fora do lugar, tanto em termos de letra, como de melodia e, sobretudo, do "espírito geral" da canção). O grande mérito destas canção é o de escapar do funcionamento normal de qualquer música, que, a meu ver, é o da "sugestão": geralmente a letra sugere algo, a música também. Juntando as duas coisas, você chega a um significado ou a uma interpretação. Neste outro caso, não. Sem conhecer muito a canção, você se sente transportado à cena que ela evoca: seja ela qual for. Se for uma lembrança da sua infância, você consegue sentir o cheiro da sua vó cozinhando o bolo, o ranger das tábuas de madeira por onde você e seus primos correm, o som dos passarinhos quando você acordava bem cedo... Deu pra sacar, né?

Vou comentar três deste tipo de canções.

A primeira é uma linda música do White Album, talvez uma das menos conhecidas ou celebradas: Good Night. É uma música do John, doada ao Ringo e orquestrada por George Martin. Trata-se da última música deste maravilhoso álbum duplo, é uma despedida, mas não de qualquer tipo: lembra precisamente o tipo de carinho que a sua mãe fazia antes de você dormir, depois de um dia cansativo, de muitas brincadeiras. E, como eu disse, a música leva o ouvinte precisamente para esta atmosfera: depois de uma aventura que é o White Album, os Beatles carinhosamente te convidam a fechar os olhos, do jeito mais terno possível.

A segunda também não escapa às minhas rememorações infantis. É uma música da trilha sonora do filme "Onde vivem os monstros", que se chama "Worried Shoes". Sabe aquela sensação de você ter um sapato favorito, aquele que você acredita que te faz correr mais rápido? Trata-se disto, mas talvez com os sentimentos em pólos invertidos. A música versa sobre um worried shoe, aquele que você coloca para nunca se esquecer de um erro que você cometeu e que talvez nunca esquecerá, um deslize que, por mais que você caminhe, não se desfazerá como os nós de um cadarço. Enfim: é como se esta canção tivesse encapsulado o sentimento de tropeçar na frente da sua classe toda, ou na frente daquela menina de quem você mais gostou:


Por último, falo da mais nova canção da Oito Mãos: Fitas de Cetim. É uma música do André que, segundo ele próprio, carrega a sua melhor letra. Curiosamente, também trata de laços, como a música acima, mas de uma forma diferente. Como a música ainda não foi gravada, vocês terão que confiar na minha descrição. Há, para mim, dois momentos na música:o primeiro, que é uma espécie de conversa entre o neto e a avó, cujas linhas não deixam dúvidas em relação à imagem a que remete. Trata-se do neto, talvez sentado no chão, olhando a vó, numa cadeira de balanço, tricotando algo de muitas cores vivas. O segundo momento da canção parece nos remeter exatamente ao título da música: fitas de cetim. Talvez uma fita de um presente que você ganhou há muito tempo e cujo embrulho você resolveu guardar, só para lembrar. Talvez a pessoa que tenha te dado nem exista mais, ou tenha há muito tempo deixado a sua vida. O que é fato é que aquela fita te faz sentir de um modo estranho: ela gera um reconhecimento, ao mesmo tempo que um estranhamento. Como se fosse um espelho retorcido, você consegue ver uma imagem ali que, talvez, seja você mesmo. Neste momento você percebe que estes momentos - que marcam as nossas vidas, como um quisto na memória - são como fitas de cetim: sua própria delicadeza é, quem sabe, uma fraqueza, afinal os nós dados naquele tecido tão suave podem se desfazer num simples gesto. Ou, como diz a música: "Enquanto nó, somos a contradição". Nada mais simples, nada mais genial. Somos nós, os nós que acreditamos segurar quase tudo em nossas vidas, mas que, com o puxar de uma fita, podem se desmanchar...

Tudo isto para tirar um pouco do pó deste blog e deixar vocês com vontade de ouvir as novas músicas que logo logo devem sair do forno.

Um abraço

Felipe Bier

terça-feira, 4 de maio de 2010

QUANDO EU FOR PRO MAR

Tem coisas que me lembro como se fosse ontem. O dia em que André mostrou "Quando eu for pro mar" é um bom exemplo. Havíamos acabado de ensaiar, cansados, suados, com os ouvidos zunindo, e o André começou os acordes que iniciam essa fabulosa canção. Larguei meu cigarro (ainda fumava na época) e fui direto pra nossa salinha me juntar a ele.

- Essa é tua?
- É.
- Porra... Toca aê.

E ele foi, viajando, nas frases que me intrigaram e me intrigam ainda, junto da melodia que parece vir diretamente dos céus. Aí ela acabava em "vou parar de brigar com você". Sugeri em fazermos dessa faixa a mais longa do disco. O tal épico, que depois alguém descreveu em seu blog.

Essa foi a última que entrou pro disco, e a última a ser ensaiada. Foi parar em último lugar no disco porque era ali que era pra estar. Chave de ouro, como dizem por aí. Eu vejo assim: Quando você pensa que ouviu tudo nesse disco, vem "Quando eu for pro mar", e te pega pelo avesso.

Enquanto eles ensaiavam o começo da música, peguei o Eagle nylon do André e esbocei a parte que entra a batera. Apareci.

- Aí vocês podem fazer isso, o que acham?

Fizeram. Gostaram. Depois saí novamente e fui pro escritório da casa do André, que é onde fica o PC dele. Peguei o Eagle e esbocei mais uma passagem, aquela da guitarra no fone esquerdo, uma sequencia desigual para uma música que vinha numa lógica maior. Voltei e mostrei.

- O que acham?

Publio pegou rapidamente a coisa. Aí foi o André quem saiu da salinha de ensaio. Pegou um caderno e em 20 minutos rabiscou umas frases, que resultaram em "Te escondi naquilo que eu mais quero..." Depois disso, me vi possuído por uma coisa que chamam de criatividade. Eu não sei de onde tiro minhas idéias, mas elas costumam explodir em todo o meu ser - um mero clichê, eu sei, mas é assim que me sinto quando estou inspirado. Fiz, então, a sequencia martelo do acorde Dm - Dm5. Depois eu berrei.

- Então, depois de fazer quatro vezes isso, a gente volta em "Quando eu for pro mar, vou parar de brigar com você...".

Paramos e voltamos na sequencia do Dm... Quando fomos para o fim citado acima, vi um sorriso na cara do André. Liguei pra minha namorada imediatamente.

- Acabamos de fazer a malhor música do álbum.

Gravar essa faixa foi gostoso. Fluiu. Adhemar fez a sua sequencia de tambores no fim. Foi tudo muito foda. Viajamos em uma guitarra reverse, que ao vivo o Publio usa o E-Bow para simular. Tudo muito lindo.

É isso. Uma coisa que nunca sai da cabeça, como se tivesse acontecido ontem.

Pompeo.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

John Lennon - parte 3

O André me propôs que expusesse aqui alguns dos meus pensamentos sobre o John, coisa que já fiz de forma meio dispersa nos posts do próprio André e do Pompeo. Bom, vamos lá!

Eu começo com aquilo que aquilo que ficou meio no ar nos últimos comentários: por que digo que sua música é visceral. Isso é ruim (o Pompeo muito bem perguntou). Realmente, visceral pode e deve ter um significado ambíguo. Quando escrevi pela primeira vez, ele tinha o senso de algo que vem das entranhas, no caso a música. Mas isso deve necessariamente significar algo que é ao mesmo tempo essencial - e por isso preciso e simples - e também agressivo, pulsional. E não é de outro jeito que vejo a música do John: o seu começo de carreira solo é claríssimo nesse sentido.

Isso é algo que é dito muito sobre o John: que ele era o mais ácido dos quatro. Mas acho que poucas pessoas atentaram para que tipo de estética sua acidez aponta, e ela é necessariamente a estética da maior doçura entre os quatro. Então, sim, John Lennon era, concomitantemente, o mais desequilibrado, mas o que mais sabia equilibrar estes antagonismos.


A minha tese é de que somente quem fez algo maluco como o Two Virgins, que chega a ser inaudível em algumas partes, pode fazer algo genial como as canções encontradas no Plastic Ono Band, Imagine, Mind Games etc. Por um tempo, o John ficou fascinado pela terapia do grito primal, provavelmente por representar uma forma de retornar a alguma espécie de simplicidade primordial, escondida debaixo de tanta coisa relacionada à sua imagem como um Beatle e como uma figura pública que deveria dar respostas. A marca do grito primal é claríssima nos primeiros álbuns, até na própria temática escolhida para as composições. O Plastic Ono é aberto por Mother, canção bastante simples em sua estrutura e em sua letra. Não há segredos, não há nada escondido, nenhum significado oculto. Está tudo ali, dado ao ouvinte de bandeja. Como a música ganha tanta potência expressiva, então?



Na segunda música, Hold On, John diz:

Hold on John, John hold on,
It's gonna be alright,
You gonna win the fight.
Hold on Yoko, Yoko hold on,
It's gonna be alright,
You gonna make the flight.
When you're by yourself,
And there's no-one else,
You just have yourself,
And you tell yourself,
Just to hold on.

Há forma mais direta de se passar a mensagem? John está falando com ele mesmo e, ao mesmo tempo, parece se dirigir a uma criança assustada, que não consegue dormir e que pede à mãe que fique ao seu lado na cama até que ela pegue no sono. John faz apelo a essa imagem novamente na música que fecha o álbum: My Mummy's Dead. Simples, básica, nenhum segredo. John, como na capa do Two Virgins, tira completamente toda e qualquer tipo de veste que possa ficar entre a música e sua essência: suas vísceras. Ele volta
às temáticas mais simples, as reminiscências mais banais para as quais um adolescente escrevendo versos no colégio poderia apelar: a saudade da mãe morta, o isolamento, o desamparo, a desilusão etc. Por que, então, que sua música, sobretudo neste período, não ficou boba, de assimilação fácil e banal?

Precisamente porque ela é verdadeiramente visceral: uma coisa é você utilizar suas dores e suas lembranças de infância como temática para uma música, todos temos o direito de fazê-lo, ainda que na maioria das vezes o resultado seja... banal. Mas, como uma cebola sendo descascada, John trabalho sobre o simples, ele buscou o simples após ter conhecido o complexo alguns anos antes com os Beatles. Ele passou pelo Two Virgins - ou seja, teve a coragem para isso, coisa que acredito que ninguém faria em seu tempo e muito menos hoje - e depois dessa travessia pôde voltar para as reminiscências com a autoridade do autor que sabe quais os temas está escolhendo, como tratá-los e como dar-lhes, paradoxalmente, uma simplicidade tamanha que tais temas se expandam esteticamente.

Aqui eu arriscaria dizer que, desta oposição brutal entre o duplo significado de visceral (acidez e essencial), existe uma síntese que é o amor. A concepção do John sobre o amor é essencial para que esta mistura dê certo, para que os elementos dêem liga, para que eles não descambem para a loucura ou para a mesmice e a monotonia. Sua obra, principalmente neste começo de carreira solo, tem a imagem espectral da Yoko rondando-a ao tempo todo. Não considero isso uma coisa ruim, como já foi dito no post anterior: ao contrário, acho que a música deve muito à Yoko, pois com ela John Lennon conseguiu erigir uma concepção belíssima do amor, para mim até hoje somente comparável à concepção de Guimarães Rosa em 'Grande Sertão: veredas'.

E é com a letra de Love que eu fecho esse post:

Love is real, real is love
Love is feeling, feeling love
Love is wanting to be loved

Love is touch, touch is love
Love is reaching, reaching love
Love is asking to be loved

Love is you
You and me
Love is knowing
we can be

Love is free, free is love
Love is living, living love
Love is needing to be loved

Nada mais simples, não? Nada mais profundo ao mesmo tempo. Através de um 'simples' jogo de inversões, John consegue criar um amor que é mais real do que qualquer outra coisa, um amor que consegue fazer o real se tornar ainda mais real. Um amor de tamanha potência que chega a ser agressivo: love is needing to be loved. Um amor livre porque é total comprometimento (paradoxal? para mim não). Enfim: amor visceral.

E tem gente que ainda diz que não gosta do John porque acha ele 'meio depressivo'... Ah, para esses eu não tenho nem resposta. Deixemos que sua música fale por si, durante os séculos que virão.

Ass: Bier

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Dando continuidade ao papo do André.

Costumamos frisar que John Lennon É foda, e não era. Ele ainda vive em sua arte e em seus discos gravados. Costumamos conversar muito sobre esse personagem incrível - o John Lennon dos discos, das músicas fora do comum, das frases ácidas ditas do modo mais normal possível. Pessoas assim são sempre interpretadas com equívoco. Meu episódio favorito foi quando ele disse que eram "mais famosos que Jesus Cristo". Pô, vamos lá... E não eram? Naqueles tempos não existia ninguém com mais fama - no sentido podre da palavra - do que os fab. Quem assistiu o "Anthology", lá no momento em que o documentário discute esse episódio, dá pra ver na cara de John a naturalidade da situação no momento em que ele se "desculpa" ao repórter - com aspas porque quem se desculpou mesmo foi Brian Epstain, numa coletiva qualquer. John, no máximo, se explicou.

John Lennon sempre foi o cara que deixava o ser falar por ele. Dá pra ver isso muito bem no decorrer da carreira dele tanto em discos solos quanto nos Fab. Ao ler as inúmeras biografias referidas a eles, vê-se que John era o cara que menos tinha intimidade com estúdios. Ele era o cara que se impressionava com quase tudo, adorava instrumentos que não compreendia. Ouça os solos dele - exemplo "Hey Buldog" e "You Cant Do That" - e perceberá como ele era desprovido de técnicas e conhecimentos teóricos. O próprio Paul disse que quando viu os "Quariman" viu que John não sabia nada de nada de guitarra e nem da letra da canção, e mesmo assim era fabuloso.

Outro episódio que me marcou foi quando o Maharashi Gurú Louco chamou um deles pra dar uma volta num helicóptero e John fez de tudo pra ser ele o escolhido, dizendo , mais tarde, que queria tanto ir para fazer umas perguntas ao guru. Nas palavras de Paul: "Isso era bem John".

Indo se apresentar em Nova Odessa, no carro Bier sugeriu ouvir Mind Games, do John. Estávamos falando sobre tudo que se diz respeito à timbres e tudo mais, e chegamos no assunto Yoko Ono. Porque ele amava tanto essa mulher? André disse que achava que ela fazia o John ser mais ele. Eu disse que achava que o mundo inteiro tratava o cara como o fabuloso John Lennon, e a Yoko o tratava como um cara comum, o Winston, um homem inseguro (pasmem!) e cheio de medos. Ela tratava ele como um marido, como uma mulher deve tratar um homem. Ela tratava ele como um simples ser humano. Lembro que eu fiquei olhando para a paisagem da estrada viajando nessa...

A simplicidade deve vir de dentro - acho eu. Uma pessoa simples faz coisas simples, e essas coisas simples se tornam coisas gigantescas. John era um cara simples? Aparentemente sim. Mas, ao mesmo tempo, seu gênio devia ser algo extremamente complexo. Uma pessoa simples não faz uma "Summer 9".

Enfim. Uma conversa apenas, sem fundamento - numa vida que não tem o menor fundamento.

Tem gente que vem ao mundo para tirar um sarro da vida e da gente. John foi um deles.

Pompeo.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Resposta ao tópico de páscoa do Adhemar, procurem pela data já que não tem título: sábado, 3 de abril de 2010.


Vou compartilhar umas ideias aqui, sobre a natureza da arte. Eu vislumbro a beleza estética que se pode fazer com um instrumento, com uma linguagem aprendida, como a coisa mais democrática do mundo. Ela surge em qualquer lugar e a qualquer momento, e é bom não esquecer, pra qualquer um.

Do outro lado temos a escalada da fama, que é uma coisa muito ridícula, em que aparência é 70%, produção é 20 ou 15% e o resto sobra pra música. Peguemos os famosos internacionais tipo jonas brothers e lady gaga e verifiquemos. Quando existe a união de todas essas coisas no seu alto grau de qualidade, temos um michael, um beatles, e tantas bandas famosas por aí, que encantam tantas pessoas. Quando falo de aparência falo de beleza, mas principalmente de manipulação pra impressionar os jovens ingênuos impressionaveis, incluindo todo tipo de manipulação possível, incluindo atitude de mal ou de bom, cabelo, etc...

Uma coisa não tem absolutamente a ver com a outra entende? Nesse ponto faço uma crítica a sociedade de hoje, e a forma como consomem música popular. Existe criatividade ainda, mas reduzida demais...a subjetividade nem parece existir, tanto que procuram efeitos de massa.


Ok. Quero agora falar sobre a simplicidade, que acho muito atraente. Ouçam Plastic ono band (1971) de John Lennon, presente ainda no album posterior Imagine e percorrendo toda a carreira solo do artista, recém saido dos besouros, exausto de superproduções como sgt. peppers e abbey road...esse é o exemplo que me vem a cabeça e ao coração, principalmente.

Quando simplicidade é verdade, direta e honesta. O tipo de simplicidade que aparece na forma que o Los hermanos abordou sua carreira e fama ( mas não sua música), o que pra mim carrega quase todo o charme deles.

Quem é honesto levanta a mão na música sertaneja...no pagode...no rock!
-André, honesto a que?
- Honesto a si.
- Mas nesse honesto a si cabe tudo...pq e se a pessoa quer...
- é, depende de cada um.

Gostaria então de amarrar a coisa, dizendo que não vale a pena "se profissionalizar" pra perder a sensação de brotamento do chão da arte, aderir uma espécie de ilusão de que ela esta lá, e não aqui. Ela esta aqui. Isso me encanta!

"I just believe in me
Yoko and me
And that's reality.
The dream is over,
What can I say?
The dream is over"

"God", ( do album Plastic Ono band)
John Lennon

André.

A banda em palco no último domingo, no primeiro show do disco!!!

Rolaram todas canções do disco, com excessão de "Verniz" e "Marina". Fora isso ainda rolou "Grave Lacuna", e um cover do johh...lennon! Juuust like starting over.






sábado, 3 de abril de 2010

São 3h03 de domingo de páscoa e eu tô aqui, sem sono e brigando com o corretor automático do Word (que, às tantas, deve estar mais correto que eu)... a verdade é que logo mais estaremos lançando (ou pré-lançando) nosso disco em Nova Odessa, no Rock’n’Beats que estreia por lá (para constar: o Word acentuou “estreia”... não tá no esquema do acordo ortográfico). Mas a pergunta que deve ser realizada é: qual a importância disso tudo?
Começamos há muito (cerca de 5 anos)... de lá pra cá, tivemos alguns invernos, sendo que um deles – certamente – foi inusitado. Porém, o inverno saiu de cena e agora vivemos um momento de frühling, por assim dizer. E o quê esperar do nosso novo disco?
Pretensões a parte, esse disco merece – pela produção e história – não ser fadado ao esquecimento. Talvez não seja seu destino o reconhecimento, talvez ele não se torne um queridinho do mainstream. Mas ele é nosso Macunaíma e – por que não? – tem potencial para nos surpreender!
Hoje recebi uma ligação cujo conteúdo ainda não passei pra banda (é informação de primeira mão veiculada aqui no blog): era de alguém que conhece alguém com grau “x” de influência na emissora “y” e se interessou pelo nosso trabalho... mas isso é so ’90 e a banda tá num clima so ’10 que qualquer interferência externa poderia estragar nosso clima. Se tivermos de dar um passo rumo ao desconhecido e se esse passo será dado e decisão que caberá a toda a banda, no momento certo. Aliás, pra deixar este espaço um pouco mais familiar, permitam-me apresentar as “oito mãos”:
O André Leonardo é um filósofo bacharelado pela Unicamp. O que marca nele é a capacidade de análise do próximo e o grau profundo de abordagem das idéias. Outro dia, me peguei discutindo com ele a relativização da teoria kantiana dos imperativos categóricos e – pasmem! – o convenci de que alguns imperativos não são absolutos e, se um não o é, nenhum imperativo categórico é absoluto.
O Bier é um baixista criado pela vó a leite com pêra e ovomaltine. Cientista social e mestrando do Institudo de Lingüística da Unicamp, foca sua pesquisa em obras literárias. Demonstra personalidade introspectiva e é acanhado até pra mostrar suas novas composições, mas domina o vernáculo como ninguém e sabe se expressar através da música. Maduro, seria o ego da banda (para dar uma de intelectual e citar Freud). O André, sem dúvida, é nosso Id.
O Publio é nosso “extremista religioso”. Não ouse com ele discutir os dogmas da fé. Formado em Publicidade e Propaganda pela Esamc e com outra graduação em audiovisual, apresente criatividade fora do comum. Mas é um cara chato, muito chato. E, como todo chato, não poderia deixar de ser sampaulino doente. É um cara muito sincero e amigo pra todas as horas, deixando, porém, transparecer suas emoções como uma garotinha de 13 anos. E isso é o maior barato.
Eu sou advogado e formado pela gloriosa Pontifícia Campineira. Curso mestrado em Direito e defendo – em minha dissertação – a constitucionalidade do Tribunal Penal Internacional e da “ordem de surrender” – PELAMORDEDEUS, não venham confundir com a extradição do Estatuto do Estrangeiro! Além disso, tenho verdadeira paixão em lecionar direito – sou professor de Direito Constitucional, Internacional de Processo Civil – e me aventuro em poucos concursos por aí (o mais longe que já cheguei foi na fase oral da carreira da Defensoria Pública, ainda sem designação das provas). Minha outra paixão é a banda, e é assim porque é um prazer, e não um trabalho. É profissional, sim, porém, sem deixar de ser amadora. Os caras são – antes de integrantes da banda – amigos de verdade. E é assim que o negócio deve ser.
Todos nós nos formamos entre 2007 e 2009, de forma que o melhor momento da banda – agora – se confunde com o início de nossas carreiras profissionais. E o mais profissional de todos nós é o Pompeo – nosso “primo”.
O Pompeo é produtor musical e músico de profissão, apaixonadíssimo pelo que faz. É também um sonhador e compositor de belas canções que não sei por que ele resolve guardar pra si. Variações do Amor (procurem no Youtube) é uma das mais lindas que já ouvi e, mesmo assim, ele não nos deixa tocá-la como cover. Vai entender...
Bom, fiz toda essa divagação pra chegar até aqui: PROFISSIONALISMO. São 03h34 da manhã e eu não sei se a gente quer se profissionalizar agora. Esse lance de tocar às vezes para um público seleto que nos conhece e curte dá trabalho e pouco retorno financeiro, mas é o que a gente gosta de fazer. Já perdi a conta de quantos shows fizemos de graça e, se estamos juntos ainda, é porque isso tem uma razão de ser... e transformar a banda – que é nosso maior prazer – no nosso trabalho, talvez resulte em uma abrupta ruptura com o ideal que nutrimos até agora: a música pelo prazer da música.
Não sei qual será nosso futuro. O que sei é que o presente me agrada... mas nem toda mudança é boa, ou ruim. Whatever...
Abraço a todos que me acompanharam até aqui e, como sempre, não deixem de comentar.

Adhemar.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Gravando um disco - perte 6

"Só" e "O que eu não vi em mim".

“Só” de sozinho, é claro. Mas pode ser compreendido no sentido de “apenas”. Pensando aqui com meus botões acho que um duplo sentido não seria absurdo. É óbvio que isso é assunto para o compositor esclarecer e espero que ele o faça no espaço reservado para os comentários.
O obvio esbarra na solidão do personagem diante da situação em que ele se encontra. Também podemos imaginar o personagem falando que há apenas ele, num modo bem Yoda de falar as coisas. Seria um acesso de humildade perante o amor próximo? “Só há eu”. Em outras palavras, “e eu, só!”.
Que doideira.
Publio demora, mas chega. Sempre digo:
- E aí, quando é que vai trazer mais alguma coisa?
- Estou trabalhando nisso.
Seis meses depois ele mostra a música. Quando resolve mostrar, é porque já tem começo, meio e fim. “Só” é um seis por oito rápido, bem chatinha de segurar o andamento. No fim ela vira um três por quatro (na ótica das guitarras) fundida com o mesmo seis por oito (na ótica da cozinha), numa seqüência linda de notas – Si Menor, Mi, Lá e Fá sustenido maior com sétima – tenho de dizer, seqüência dada por mim. Nada muito inusitado. Pra falar a verdade é uma seqüência bem óbvia e usual. O que me fascina é que o refrão começa com uma nota menor e termina em uma nota em sustenido, tanto na parte feita pelo Publio quanto na feita por mim. Músicas com seqüências assim fazem minha cabeça – é o que algumas pessoas adoram dizer quando falam que nossos gostos (meu e o do Oito Mãos) se espelham muito em Beatles e Los Hermanos. Olha, deixando isso claro aqui: somos loucos pelos Beatles e achamos o Los Hermanos a melhor banda nacional nos últimos 10 anos. Isso é unânime na Oito Mãos. Só que, em primeiro lugar – tudo, absolutamente tudo, que é rock and roll lembra os Beatles; em segundo lugar é que os compositores que usam notas dissonantes não são exclusivamente os Los Hermanos e a batida de Pretty Woman não foram os Los Hermanos quem inventaram. O que quero dizer é que uma comparação deveria ter um bom fundamento.
Há uma coisa intrigante no processo de mostrar canções novas um para o outro na Oito Mãos. É mais ou menos assim: O compositor avisa, quase ao nada, que fez uma música nova. Eu sou sempre (quase sempre) quem pára pra ouvir a música e o meu trabalho é ir já “sacando” o som. Quando a banda está disposta eles param o que estão fazendo para ouvir a música nova do companheiro. Quando a banda não está disposta não há refrão que os faça calarem a boca.
No dia que Publio mostrou “Só”, todos calaram suas bocas e ficaram com os olhos ligados, babando. Publio sentou-se com sua guitarra Jaguar desligada e cantou baixinho – do jeito que sempre canta ao mostrar algo novo – e nesse mesmo momento fizemos a seqüência final de notas já mencionada.
O restante da coisa rola nos ensaios. Essa faixa foi a que mais deu trabalho para o nosso Ringo, pois de alguma forma ele não entendia o seis por oito – corria demais ou atrasava demais. Na hora de gravar foi tenso, mas André sempre dizia:
- Relaxa Adhemar. Não estamos pagando a hora do estúdio.
Deu trabalho, mas rolou. E como rolou! Acho estupendo (pra não falar um palavrão) o uso dos tambores e do chimbal na ponte da música em “já posso aceitar a dor...”. Foi divertido mixar esse momento e perceber o espectro estereofônico dos ton-tons quando eu os separei em pan – um para cada lado das caixas. Ponha um fone de ouvidos e ouça os tambores bem soltos em suas afinações, migrando de um lado a outro, com a acentuação no chimbal. Foda!

“O que eu não vi em mim” foi um parto. Sempre me dava a impressão de que faltava alguma coisa. Tentamos de tudo. Nos ensaios ela simplesmente não rolava. Quando o Publio apareceu com ela, eu disse imediatamente que faltava um refrão. No ensaio seguinte lá estava o refrão.
Se não fosse a crença e insistência do Publio depositada nessa música, acho que ela não teria entrado para o set list de Vejo Cores.Bier me disse, numa das conferências da masterização, que a música havia ficado linda, e disse exatamente assim pra mim:
- E pensar que quase a deixamos de fora...
Resolvemos, então, grava-la para ver no que ia dar. Deu certo.
A intro na bateria é crédito do Adhemar. Alguém sugeriu que ele usasse o surdo ao invés do ton.
O chato dessa música – que só fui perceber quando gravamos as guitarras – era que todo mundo tocava ao mesmo tempo, resultando uma insuportável bagunça. Quando se grava, temos uma maior dimensão da coisa.
Quanto ao teclado, nós tínhamos o som de piano – piano demais vira Coldplay, como alguém citou em algum site dizendo que “Claire” parecia “The Scientist”, é interessante como as pessoas interpretam e recepcionam a música em pontos de vistas diferentes – e usei um órgão, acompanhado de uma guitarra levemente distorcida na base rítmica somada com os segredinhos do André. Publio só começa a tocar em “confesso que me acostumei”.
Depois o espectro das guitarras de desloca. Há a fabulosa guitarra “Ximbinha”, swingada, com Adhemar dobrando o chimbal em “nem tudo o que eu faço é...”.
Depois que virei fã incondicional de Pink Floyd e Radiohead é que fui entender a introdução de alguns elementos eletrônicos no rock. Não vou entrar no mérito da discussão da música eletrônica – embora meu Twitter já revelou o que eu acho sobre uma parte desse segmento. O fato é que o refrão e no fim dele há aquele sintetizador calçando uma porrada na nossa cara. Aquele momento sombrio no fim do primeiro refrão, em Fá Sustenido, lembra “Sweet Dreams”.
Enfim.
São duas canções intrigantes. A primeira pode ser encarada como a mais pop do disco. A segunda como um rock onde a gente ousou e experimentou – muito! – enquanto apertávamos o rec.

Felippe Pompeo.

terça-feira, 16 de março de 2010

Como surgiu a Oito Mãos

Sinto estar em débito com vocês. A sentença que acabam de ler tem caráter ambíguo e deve ser interpretada em ambos os sentidos. Por isso, glorifico-me com a redenção desta postagem, na qual explorarei o início da banda e o por quê de se tornar independente, quando a execução de covers se mostra mais lucrativa.

A Oito Mãos não surgiu assim desde o início. Várias mãos passaram por aqui até a final composição: André Stradiotto Matins e Tiago Saura foram dois importantes personagens que, por circunstâncias da vida, não puderam estar conosco na atual empreitada.

Felipe Bier e Leandro Publio também já se aventuraram por outras bandas. Tocaram em casamentos e partilharam do comum – e necessário – início de qualquer banda: a execução de músicas cover.

Como a postagem é minha, falarei da experiência que partilhei. E começo minha jornada nos idos de 2000, quando cursava o 1º colegial juntamente com o Bier. Lá, um amigo em comum – André Stradiotto – fez despertar em nós o gosto pela música. Não que nós não a apreciássemos, mas não nutríamos interesse – na ocasião – por aprender a tocar um instrumento: eu queria ser advogado e o Bier, médico.

André nos levou a lojas de música em Campinas, onde tomamos contatos com vários instrumentos. Porém, em determinado dia, recordo-me de ter sido por ele surpreendido no meio de uma aula – salvo engano, de literatura –, onde bradou: “Adhemar, cê vai tocar batera”.

Fiquei com aquilo na cabeça... admirava o instrumento, mas nunca pensei em toca-lo. Minha mãe tinha violão e piano em casa e minha família é daquelas que acha que “bateria é coisa de louco”. No entanto, era o que eu queria.

Nesse mesmo momento, surgia em nós uma paixão quase que incondicional pelo grunge de Seattle – especialmente pela banda Nirvana. Sob influência do André, claro, ficamos “viciados” nas músicas do power trio Kurt, Chris e Dave. Só precisávamos adquirir nossos instrumentos.

Com o Bier a coisa foi mais fácil: ganhou um baixo Washburn e um amplificador Meteoro Thor na mesma semana. Eu, porém, enfrentei a insatisfação familiar pelo instrumento escolhido, percebendo que minha jornada seria um pouco mais difícil.

Assim, alguns meses depois, juntei uma (pequena) grana e comprei uma batera LIXO (lixo MESMO, do tipo que a gente joga FORA). Não tinha marca e nem peles de resposta. A caixa era Odery, de madeira, mas com afinações “de bicicleta”. O pacote incluiu, ainda, uma máquina de cymbal com os hi-hats absolutamente deploráveis. Mas eu estava feliz! Feliz por ter comprado a batelixo com O MEU dinheiro e feliz por enfrentar o preconceito dentro de casa.

Botei a monstruosa no meio da sala (morava em apartamento, na ocasião) e tocava todos os dias – mais pra mostrar a meus pais que não era “fogo de palha” do que pra praticar alguma coisa. E eles se convenceram de que aquela minha vontade não era passageira.

Minha sorte é que a batera era muito feia e muito ruim, o que acelerou o processo de sua substituição por minha atual Premier XPK Birch – presente de minha mãe. Ela foi utilizada em shows com as bandas pelas quais passei, bem como na gravação do “vejo cores nas coisas”.

Com os instrumentos, montamos a banda no final de 2000. O nome sugerido era ridículo para uma banda que se prestava a tocar as músicas do Nirvana: “Kaya”. Mas durou uns anos, até que crescemos, evoluímos e... nos separamos!

Entre indas e vindas, montei com outros garotos uma banda cover de Beatles, conhecida como “Silverbeetles”, até hoje bastante atuante. Não sei qual a atual formação, mas era muito boa na minha época. Tinha um garoto que era um verdadeiro gênio musical e outro que nos obrigava a ensaiar com MUITA DISCIPLINA – o que foi muito bom, pois criava na gente senso de responsabilidade musical e deixava as músicas redondinhas.

Ao mesmo tempo, tentava montar uma banda com projetos próprios com o Bier e com o Publio – que já era também, na ocasião, meu amigo-irmão.

Em determinado dia, por volta de 2004 ou 2005, deixei a Silverbeetles mais por estar de saco cheio de fazer cover do que qualquer outra coisa. Alguns me chamaram de maluco – visto estar a banda começando a chamar a atenção do público –, mas eu sou daqueles que acha que nós temos de correr atrás de nossos sonhos – e a minha “fase cover” tinha definitivamente passado.

Assim, foquei na banda com o Bier e Publio: procuramos integrantes que partilhassem nossos gostos musicais e, depois de muito tocar Oasis e Coldplay, encontramos o maluco do André Leonardo via Orkut: nascia o que hoje é a Oito Mãos.

O ano era 2005 e propusemos a criação de uma banda para trabalho próprio. Em pouco mais de quatro meses, gravamos um álbum/EP/demo com 08 músicas, chamado “inverno inusitado”. Inverno porque foi gravado em julho, e inusitado porque foi uma verdadeira atipicidade na vida de todos nós. E ficou legal – esteticamente falando. Em resumo: a idéia era boa, as músicas eram boas, mas a gravação foi ridícula. Não tínhamos experiência e o estúdio – que abstenho de citar o nome – muito, mas MUITO ruim.

Assim, não obtivemos retorno nenhum com o “trabalho”, até que o Pompeo nos ouviu sei lá como e notou algum potencial na banda. Nos conhecemos na padaria da esquina da rua do André, onde ensaiamos até hoje. E ele, com aquele jeito arrogante/fodão de ser, se tornou nosso amigo e acabou que hoje nos produz, gravando, compondo e tocando com a gente.

Desse casamento, surgiram nossos singles “sei lá”, “guarde a última dança”, “história de outra vez” – regravação do “hit” que constava no “inverno inusitado” – e “grave lacuna” – com a qual vencemos importantes festivais.

Gravamos, durante o ano de 2009, o disco “vejo cores nas coisas”. Nossa intenção – sem querer transbordar arrogância, mas justificando com o fato de não ser nossa pretensão o sucesso e o reconhecimento – foi fazer músicas que nós gostaríamos de ouvir, e não agradar ninguém. Assim, pode ter a certeza de que isso que você ouve em “vejo cores” é exatamente o que queríamos que estivesse ali, pois gostamos de tudo que fizemos.

Acho que falo pela banda toda quando digo que nos sentimos muito gratos com a repercussão do disco, não por querer fazer sucesso ou ser notados, mas por saber que tem mais gente por aí que pensa como a gente. Isso é muito bacana e gratificante, pois aquela sensação de vazio e insatisfação com tudo que a mídia nos “obriga” a ouvir não é um evento isolado nos sentimentos somente da Oito Mãos. E isso nos fortalece – tanto para compor e executar as músicas, quanto para gostar daquilo que fazemos – que é, tenha certeza, de coração.

Adhemar.

domingo, 14 de março de 2010

Fazendo um disco. Parte 5

ALGUÉM OU NINGUÉM?!

“Alguém” é uma das faixas mais antigas de “Vejo Cores Nas Coisas”. Uma música da época de “Sei Lá” e “Guarde a Última Dança”.
A primeira vez que a ouvi tive a mesma impressão que eu (interpretava) via no olhar das pessoas que ouviam a canção em uma apresentação da banda: aquele olhar de “que isso”?

“Alguém” é um esporro aos ouvidos. Uma porrada de mão fechada que te pega de surpresa bem no meio do estômago. Uma falta de ar, uma perda de raciocínio. Uma mistura de sentidos, dos pés à cabeça, dos olhos à boca, do coração ao pulmão. Dá vontade de ouvir de novo, mas o disco continua a partir dela.
Os mais sensíveis aos decibéis, não se esqueçam de levar tampões de ouvido numa eventual apresentação da Oito Mãos ao vivo.

Uma letra simples, porém impactante. “Alguém? Para amar... Cuidar, sonhar, proteger (...) deve existir. Alguém? VOCÊ!” – BUM! Esse “você” resume poeticamente o que o personagem da canção quer dizer, embora não saibamos exatamente quem é “você”, pois dá uma certeza absoluta de que não é com você, leitor e ouvinte, que o personagem está falando com a pessoa ao lado, ou seja lá quem for.

Deve ser uma pessoa ou um ser tão forte e absolutamente significante que cabe a
mim, a você e a todos nós juntos – do jeito que John Lennon canta em “I Am The Warlus”. Esse “você” é forte, depois de um lindo chá lá lá lá lá; é tão afortunado de emoções...

Confesso de que não lembro quando foi que tive a ideia de abrir o disco com essa, descartando de vez a hipótese de abrir com “Passarinho”.
Um dia fomos ao estúdio para mais uma sessão de gravações. Deveríamos estar um pouco entediados ou sem inspiração. O fato é que ficamos jogando tempo fora descobrindo os sons loucos que o teclado Roland Juno G proporcionava.

Empolgados com os sons, abrimos uma sessão no Sonar e gravamos um sarro que chamamos de “A de Adhemar”. Essa faixa só a gente ouviu. Rimos até a piada perder a graça. Ligamos um de nossos microfones MXL e fizemos uma evocação do ridículo que existe em cada um de nós. André imitou o Michael Jackson somado com um tal de IKY WIKY, Publio cantou “bum chacalaca” e Bier imitou o primo It da Famlila Adams. Eu cagava de rir. Adhemar não estava presente nesse dia, então dedicamos essa “música” para ele.

Claro, isso foi apagado. Devo ter os waves no HD, mas nem adianta me pedir para ouvir.

Ficamos com isso na cabeça. Uma faixa experimental. Então levamos a coisa a sério e criamos a faixa “Ninguém”. Peguei a guitarra Fender e afinei em Ré. Liguei ela no DD3 do Publio direto no meu Hot Road Deluxe. Fui tocando qualquer coisa. Depois adicionamos sintetizadores do maravilhoso teclado já citado. Depois demos um microfone pro Adhemar falar a palavra “Ninguém”.

Ficamos empolgados e ligamos um rádio sintonizado em qualquer emissora. Apertamos o rec, eis que surge José Serra falando o que você ouve, depois de uma locutora dando a chamada da entrevista.

No processo final,já nos últimos dias de mixagem, quando ela já estava na parte divertida, o fim, começamos a brincar de novo em “Ninguém”.

Abri a sessão de “Claire”, selecionei a voz do Bier em “Se os astros e o universo convergem aqui” e coloquei de trás pra frente.
Cagamos de rir. A coisa era sinistra e genial. É a primeira coisa que você ouve no disco.
Depois colocamos a minha voz em “os pés”, de “Encontro de Almas”, e fizemos o mesmo processo.
Pegamos “já posso aceitar a dor” do Publio em “Só”, e também retrocedemos.
Tudo nessa ordem. O André pediu para fazer o mesmo com a voz dele, mas eu neguei o pedido, alegando que já tinha muita voz dele no disco. Ele achou justo.

FOI ENTÃO, depois de ouvir o Serra, que achei que ia ficar perfeito o riff de “Alguém” comer solto.

Só não me lembro a ordem em que tudo isso se formou. Sei que “Ninguém” tem esse nome porque sabíamos que ela antecederia “Alguém”. Que seja... o fato é que a ideia de abrir o disco com “Alguém” veio no momento da bagunça de “A de Adhemar”.

Pompeo.

domingo, 7 de março de 2010

Fazendo um disco. Parte 4

MIXAGEM

Pompeo, essa voz tem que ter um som de areia! Como se eu tivesse cantando dentro da areia, saca?” – André, sobre a voz de “Verniz”.

Meu amigo Fábio Boto me disse certa vez que a mixagem de um disco não se conclui, a gente simplesmente desisti. Outra pérola dele é a famosa frase “o não nós já temos”.
Em primeiríssimo lugar deixo claro que estou satisfeito com o resultado final de “Vejo Cores nas Coisas”. Abusei do não usual sabendo que a banda é apaixonada por coisas não usuais.
Para quem não sabe, mixagem é um termo abrasileirado para a palavra inglesa “mix”, que quer dizer “mistura”. Uma música é composta por alguns elementos básicos: bumbo, caixa, chimbal, tom 1, tom 2, surdo, over (pratos e altas da batera) – guitarra do André, guitarra do Publio, baixo do Bier, voz. Não sei se o leitor contou, mas somam onze elementos. Mas não ache que uma música da Oito Mãos tenha menos do que onze ou um pouco mais. Estimo que a média de elementos no disco seja de uns 38 – 12 só de vozes.
O conceito, então, é pegar todos esses elementos e misturá-los, de modo que tudo soe perfeitamente em seus ouvidos, desde em caixas equipadas de RMS e PMPO até seus fones de ouvido de MP3 player (para os pobres) e I-POD (para os afortunados). Ah, há também as medíocres caixinhas de som de celulares de hoje em dia, que costumo comparar com os radinhos à pilha de 15 anos atrás.
Eu sempre digo que um bom disco soa bem em qualquer lugar, em qualquer mídia e em qualquer formato – até mesmo no My Space, que “rouba” o brilhantismo de uma gravação. Pra quem não sabe (esse blog é destinado aos que não sabem. Aos que sabem, suas críticas são bem vindas, contando que seguidas de boas e úteis sugestões) a taxa de bits do formato MP3 caga em cima de um áudio. É como pegar uma foto do tamanho de 10 megapixel e transformá-la em uma foto de 2 megapixel para enviar por email. Tente revelar essa foto (pois o tamanho reduzido só te interessa para ser visualizado na tela do PC) e verá que o resultado é lamentável.
A mesma coisa acontece com os formatos de áudio reduzido (entende-se comprimido) conhecido como o revolucionário MP3. Depois que a música foi digitalizada, desde a captação usando computadores até a distribuição usando os Compact Discs (CD), o formato digital é o Wave, que tem alguns tipos de variações, mas vamos nos contentar com o Wave taxa de 16 bits. Esse Wave foi transformado em MP3. O arquivo (música, wave) que tem o espaço de 12 megabytes aproximadamente vai ser reduzido para uns 2 megabytes, com taxa de bits de 128 kbps (mp3). Que isso quer dizer? Quer dizer que você pega uma coisa grande e transforma em pequeno, matando o áudio.
Dito isso, volto ao ponto da boa mixagem. Ela tem que soar bem em todos os meios de audição. Fazer o quê... É o progresso.

É claro que todo o disco é um processo somatório: os músicos, as vozes, os microfones, os técnicos de som, os mixadores, os masterizadores, o estúdio. “Vejo Cores” é o resultado maior do que conseguimos fazer no momento.

Antes de iniciar minha árdua tarefa de mixar “Vejo Cores”, pedi auxílio para o cara citado no início do post. A forma mais sensata de fazer isso foi convidando o Fábio para mixar meu disco, “Esperanto”, que também foi gravado no Câmara de Eco. Com o Boto aprendi alguns conceitos que nem imaginava existirem. Surgiram dúvidas e esclarecimentos.
Feito isso, o grande trabalho seria agradar os ouvidos exigentes de Leandro Publio, André Leonardo, Adhemar Della Torre e Felipe Bier – malas ao extremo; e, claro, os ouvidos do mais mala de todos os tempos: eu.
A coisa foi simples: achar o volume e timbrar as peças da bateria, somar e equalizar o baixo, somar guitarras cortando os graves desse instrumento fabuloso, colocar as vozes em seus lugares.
Só que a coisa em si fica sem espírito se você se contentar apenas com a coisa. É aí que entra o espírito da coisa: a arte.
Li o “Guia de Mixagem”, de Fabio Henriques, que o grande Gustavo Missola me emprestou, onde o autor dizia que uma mix pode ser bastante artística – mas que com certeza não ia tocar na rádio. Cito como exemplo o Sgt. Pepper (dos FAB) e Meddle (do Pink Foda) como exemplos de mixagens abusadas no quesito “arte”.
Não vai tocar na rádio? Ótimo. Vi que eu estava no caminho correto, pois a Oito Mãos nunca teve a pretensão de tocar na rádio – acho que porque a rádio está atualmente um pouco banalizada. Mas a gente não sabe nada, tendo em vista que o Los Hermanos subiu no palco do Faustão. Mas, Pompeo, eles não tocaram Anna Júlia!

Se você prestar atenção, verá que a bateria de “Encontro de Almas” está toda do lado esquerdo do campo estéreo da mixagem; verá que há uma voz fininha acompanhando o vocal do André em “Na Sua Casa”; descobrirá um chorus na voz de “Verniz” em “e eu, e eu, eu sou um homem só”.
Poderá ouvir, também, os delays de “Alguém” nas vozes (esse em particular uma feliz viagem do André); o tímido delay na voz tímida do Bier em “Café”.
Ainda em “Café” poderá ouvir o baixo indo para o lado direito na parte em que o André canta “eu preciso, eu tenho é hora”.
Esses passeios pelo campo auditivo deram trabalho. Noventa por cento de uma mixagem consomem dez por cento do tempo. O resto do tempo é gasto nos dez por cento finais.
Quando achei que tinha terminado, queimei uma amostra do disco em um CDR e para cada um da banda. O Bier veio com um caderno cheio de anotações acerca da mixagem. Tinha dia que eu queria jogar meu computador no lixo. “Claire” deu um pau dos mais cabulosos. Perdi várias noites de sono pensando em um modo de esquentar as guitarras do riff de “Verniz”, que o André encanou dizendo que faltava “algo”.

Cara, tem que ser algo mais espacial, algo estelar” – Bier, sobre sua voz em “Se os astros e o universo convergem aqui”, de “Claire”.

Até eu viajei nessa onda. Mixando “Marina”, achei que faltava algo... Um cheiro. Água, terra... Frio. Chovia nesse momento. Liguei o microfone e captei a chuva.

Pelo o que nós nos propusemos a fazer, Marina está fantástica” – Beir, sobre não querer mexer muito na estrutura da música.

Põe um reverb nesse surdo” – Adhemar, sobre o início de “O que eu não vi em mim”.

Essa guitarra meio Chimbinha ta massa, hein?” – Publio, sobre uma guitarra swingada em “O que eu não vi em mim”.
Então eu desisti. Isso é o que temos pra mostrar. O melhor que pudemos fazer. Depois vem a neura: “Será que vão gostar?” O não a gente já tinha.

Pompeo.

quinta-feira, 4 de março de 2010

CURIOSIDADES SOBRE OS INTEGRANTES - TIPO REVISTA CAPRICHO

Não são nenhum gatinhos... mas poderiam estar na revista capricho.

Publio (guitarra e voz) - Publicitário

Time - São Paulo
Comida - a mais junck possível.
Bandas Favoritas - Oasis, Keane, Coldplay
Jargão - "Na boa".


Bier (baixo e voz) diz ele que faz algo no ramo de literatura. Graduado em Ciências Sociais.

Time - Palmeiras
Comida - Salada. Também adora um bauru com suco de laranja.
Bandas Favoritas - Beatles e coisas estranhas em francês.
Jargão - "Daí"...

Adhemar (bateria) Advogado. O único com 4 certificados People computação.

Time - Palmeiras
Comida - é o magro que come de tudo.
Bandas Favoritas - Pink Floyd, Beatles, e tudo o que os outros da banda curtem.
Jargão - "Vai Palmeiras"!

André (guitarra e voz) graduado em Filosofia.

Time - Guarani de Campinas
Comida - pratos de pedreiro antes de sair pra tomar cerveja.
Bandas Favoritas - não tem.
Jargão - "É nói".

piadas internas à parte.

postado por Pompeo.

terça-feira, 2 de março de 2010

Fazendo um disco - Parte 3

Passarinho

Essa, que eu me lembro, ficou no impasse de se chamar ou Canarinho ou Periquito. Ou sei lá, qualquer Quero-Quero da vida... até mesmo Pica Pau. Resolvemos batizá-la de Passarinho, deixando a espécie por conta da imaginação de cada um. Na minha mente é um passarinho amarelo (seria um Periquito?).

Quando chegaram os maravilhosos recursos para captação de áudio - a placa de som, os microfones de bateria e um SM 57 - nos preparamos para a incrível jornada de gravar "Vejo Cores" - na época um disco ainda sem nome. Provisoriamente era chamado por mim de "Quando eu For Pro Mar".

O leitor pode perceber que tenho mania de fugir um pouco do assunto, mas sabe como é... Uma coisa leva a outra. Costumo escrever direto na caixa de texto do blog, de modo que tenho que respeitar minha hierarquia de pensamentos. Episódios dos Simpsons são assim - sempre começam numa perna e vão parar num olho.

Minha ideia de produtor musical era a de abrir "Quando eu For Pro Mar" com "Passarinho". Eu tinha em mente uma canção bem calma, iniciando o clima quase nublado, com ventos fracos porém gelados. Ainda bem que minha ideia foi por água abaixo, pois o disco abre com "Ninguém", seguido de "Alguém". Voltando da última masterização feita em São Paulo, Bier disse que fora uma feliz decisão colocar "Alguém" pra esporrar tudo logo de início.

Como a ideia era abrir o disco com "Passarinho", foi ela a escolhida de cobaia para nossa primeira experiência de captação fonográfica.

No primeiro dia de gravação nada aconteceu, pois o PC do André - usado para fazer as demos de "Encontro de Almas" e "Verniz" - não aguentou os oito canais da bateria ao mesmo tempo. Foi um rasgo no peito. Tínhamos tudo mas não tínhamos o PC ideal.

No dia seguinte corri para a Paula Bueno e deixei os vendedores de computador loucos. Me endividei e voltei para a casa do André com um Dual Core QUAD, 4 giga de Ram e 2 HD de 350 giga - seria suficiente? Meu amigo Fábio Boto disse que daria de sobra.

Ligamos tudo. Microfonamos a beteria com o Kit Samson no bumbo, tons e surdo. SM 57 na caixa e MXL como Over.

REC no SONAR e o PC foi que nem manteiga em pão quentinho.

Do mais, foi normal.

O disco foi gravado de 3 em 3 músicas. Fizemos a batera das 3 primeiras e assim por diante, baixo, teclados, guitarras e vozes. As firulas foram adicionadas posteriormente a todo esse processo.

Num determinado momento fiz uma besteira das mais imperdoáveis. Quis dar um bounce em "Passarinho" sem a placa de som plugada. Pra quem não sabe, bounce é quando você pega todas as trilhas gravadas de uma canção e a transforma em uma música. Ao fazer isso sem a placa, o Sonar fala algo assim, em gringuês dos mais malas de se ler "Cê tá loco? Fazer bounce sem a tua placa de som, onde tudo isso foi gravado? Você vai fazer merda, vai perder tudo!" Depois desse dia eu perdi a mania de apertar "ok" ou "cancelar" sem ler o que o software está me dizendo. O resultado dessa estupidez foi um belo fudeu (com perdão da palavra, mas foi tudo o que eu consegui dizer ao Publio e ao André) e os caras vieram tentar arrumar a burrada. Sorte que todos os arquivos, gravados em WAVE, ficam salvos no HD.

O que vocês ouvem no disco é um perfeito trabalho de colagem feito por André e Publio no Sonar. Quase perdemos essa canção maravilhosa. No fim tivemos que refazer apenas as vozes e algo de teclado, por falta de sincronia na hora da recuperação da música.

UFA!

Pompeo.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Fazendo um disco - parte 2.

O Cakewalk, dizem por aí, é o esperma do Pró Tools. Foi no Cakewalk, um software levinho que tornava possível gravar mais de uma pista – o que quer dizer dobras de violão e de vocais, tudo isso usando um microfone precário de PC – em que eu e o André gravávamos nossas demos e mandávamos um pro outro através do MSN.
Essa troca de MP3 foi muito importante, pois foi nessas idas e vindas de arquivos fonográficos que fui conhecer canções lindas do André, como “A Menina Perfeita pra Mim”, “Verniz”, “Hoje eu quero dançar com você” – essa última em que o Bier roubou o refrão e colocou em “Guarde a Última Dança” – e “Grave Lacuna”, uma música muito, muito estranha!
Com quatro climas – introdução, canto, solo e refrão – “Grave Lacuna” era uma canção de respeito explícito. Só um idiota ouviria essa música e falaria que era ruim – pelo menos foi o que eu pensei quando a ouvi pronta, com a banda toda tocando. “Grave Lacuna” tinha todos os ingredientes para se tornar uma música de impacto. Por mais que ninguém ouviu falar da banda através dela, sabemos que essa canção nos ajudou no nosso sucesso pessoal.
O Basement havia fechado suas portas – para a agonia das bandas independentes da cidade. Caio Ribeiro estava trabalhando no estúdio do Mário, em Barão Geraldo. Então lá foi o lugar escolhido para mais uma gravação.
No Mário as coisas foram muito bem, obrigado. A canção já veio pronta, e desde a primeira vez que a apresentamos – no palco do Woodstock, junto dos queridos JB e Seus Amigos Sex Symbols – tivemos bons retornos – ou seja, a música tinha tudo pra dar certo na gravação.
Usamos os recursos do Pró Tools para gravar guitarra, baixo, midi de Fender Roads e Órgão Hammond. Confesso que meu único problema com a gravação é a vocalização no fim da música, quando todos cantam junto o refrão.
Eu quis captar a “magia” do coro. Então pedi pro Mário montar mais de um microfone a fim de gravar ao vivo as quatro vozes... Até que ficou bom, mas eu ouço muita a minha voz. O que acontece é que esse tipo de técnica de gravação tudo tem que estar perfeito, de modo que não dá pra mixar separadamente, pois eu cantei no mesmo microfone do Bier e o Publio no mesmo do André. Outro problema de gravar ao vivo dessa forma é que você tem que cantar que nem os Beach Boys, e isso a gente não consegue.
Outra curiosidade – se é que se pode chamar essas informações de curiosas – é que no começo da gravação de voz principal o André estava completamente fora da sintonia. Cantava forte demais, como se fosse um roqueiro maluco. Isso se deve a uma interpretação equivocada do que eu sempre disse quanto a “soltar a voz” para cantar. Um bom exemplo foi quando o Bier começou a gravar a voz de CAFÉ, a gente berrava da técnica “sai do armário Bier”, uma forma bem zoada de falar “solta a voz”. Mas há casos e acasos. No caso de “Grave Lacuna”, a música começava muito calma, num clima completo de lareira. Depois de uns oito takes, cheguei pro André e disse.
- Cara... Lembra daquela versão da música que você me mandou por MSN, gravado no Cakewalk? Então, é daquele jeito que você tem que cantar essa primeira parte. Lá na frente é que você berra, mas sem arranhar a garganta. Eu sei que você está soltando a voz, mas tem que interpretar. Você não está me convencendo da letra da música cantando desse jeito. Vem mais suave!
Acho que ele adorou a idéia e fez de primeira. Depois dobramos a voz – nossa primeira dobra em vocal principal - e tudo soou bem.
“Grave Lacuna” nos levou ao prêmio do “Cena Musica Independente”, um festival bem bacana organizado pela secretaria da cultura do Estado de SP, no qual ganhamos uma grana e fomos convidados passar três dias em São Sebastião e fazer um show de meia hora na Rua da Praia, no centro da cidade, para umas quarenta pessoas – num lugar que deveria caber umas 80 mil. Tudo isso foi fantástico, pois além do prêmio em dinheiro – que revelou nosso primeiro cachê de verdade para tocar – viajamos para o litoral, onde foi possível nos conhecermos melhor. Eu digo que nessa viagem eu percebei o que cada um pretendia com a banda e foi aí que viramos, de fato, amigos. Outra coisa foi que eu percebi o quanto esses caras eram loucos.
Ganhamos também o quarto lugar do 2° Unifest Rock – a primeira versão havíamos mandado “Sei Lá” e não fomos aceitos.
Com o primeiro prêmio montamos nosso estúdio improvisado – o Câmara de Eco – e com o segundo prêmio mandamos fabricar “Vejo Cores Nas Coisas”, nosso primeiro trabalho no Echo Chamber.
Finalmente, nosso primeiro disco de verdade!

Pompeo.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Café, pelo batera

Peço venia para dirigir-me ao baixista Bier. Confesso que nunca havia me atentado à profundidade imanente que impregna a canção. Peço venia a você também, caro leitor, que muito me honra com seu precioso tempo e peculiar atenção. No mais, afastar-me-ei dos eufemismos particulares e da rebuscada linguagem utilizada por nosso baixista, preferindo atribuir caráter lúdico à nossa suscinta prosa.

Remexendo o dia, com uma colher de chá. Simples assim. A imagem que me salta é serena, harmônica. Revela uma despreocupada ação comissiva de entreter-se com as banalidades do cotidiano: quem nunca alçou voo em seus pensamentos ao agitar uma colher em uma xícara de chá, ou copo de leite com achocolatado... geralmente são ações tão corriqueiras que sequer prestamos a devida atenção àquilo que fazemos. É o mesmo que trocar as marchas ao dirigir, ou murmurar um palavrão quando nos aborrecemos: são automatismos presentes em nosso dia-a-dia. E foi muito bem ilustrado pelo baixista-compositor, que captou com primazia a essência da serenidade da ação - algo fugaz e, ao mesmo tempo, profundo.

Imagine o que achei: remonta, a meu ver, ao despertar consciente - de súbito - para algo revelador e de importância para o interlocutor. Um pensamento vago que tomou forma relevante; a descoberta da resolução de um problema que atormentava quem despretenciosamente remexia com a colher.

Tantas horas vagas, tantas notas soltas: remonta igualmente à descoberta. O ócio - revelado pelo exíguo lapso temporal de despreocupação - remete à preocupação do interlocutor. É o cerne de seu problema.

E sobre a mesa, café, pão e queijo: reflete a volta do movimento transcendete perpetrado pelo interlocutor. É o retorno ao status quo ante, onde - novamente consciente - depara-se com os objetos que pairam sobre a mesa.

É preciso, é tempo, é hora; já foi o tempo de olhar pra trás: aqui, a quebra na cadência é marcante - uma vez que invade a composição original a idéia de outro compositor (André Leonardo). Pode ser encarado como um movimento de involução musical, visto que nos deparamos com uma verdadeira tormenta de idéias estranhas à estrofe inicial. É algo enigmático e, ao mesmo tempo, despretencioso. Porém, interpreto como um chamado para o avanço, para a caminhada, que fica evidente na próxima frase navegar, tratar de avançar. É fruto da ótica progressista da Oito Mãos.

Se for acidental será um sinal; se for acidental, menos mal; se for acidental... - aqui, sobrepõe-se a revolução à involução: o elemento accidit implica em avanço, sobrepujando-se ao marasmo que se remonta à ação inicial contida no primeiro verso da primeira estrofe.

E eu lembrei daquela vez; dos versos que eu te dei: o verso retoma a ótica do idealizador inicial, Felipe Bier. Em contrapartida, há uma ruptura com a banalidade que marca o primeiro momento da canção e o rito de passagem - identificado como a composição de André Leonardo. O passado é presente e se configura elemento ativo da canção, que norteará a atitude do interlocutor daqui em diante.

Eu consegui te alcançar, eu consegui te tocar: sob meu ponto de vista, estamos diante do verso com maior grau de lirismo da canção. Seu caráter ambíguo revela o charme do eu-lírico adotado por Felipe Bier: te toquei fisicamente ou te toquei com os versos que te dei? Fica consignado meu convite a você, leitor, para que interprete da maneira que mais lhe tocar.

Solta na infância, dentro de palavras: meus caros, não faço idéia do que quis dizer o compositor. Imagino algo como Lucy in the sky with diamonds: psicodelia genérica que dá um charme à cadência do disco.

E sobre a mesa, o chão, a gente, e o mundo: traz a idéia de aglutinação de ideais, etnias, culturas. Uma verdadeira salada de informações que são utilizadas para a criação das composições - tanto letra como música - e que refletem o íntimo da banda.

Essa é minha visão da excelente composição de Felipe Bier Nogueira e André Leonardo Santos - da qual tive o privilégio de participar - tanto do momento criativo, quanto da composição musical. É importante que o leitor conheça a música para sentir aquilo que ela lhe diz - afinal, as interpretações são pessoais. E é essa valoração paralela que convido você - leitor - a realizar dessa e de qualquer outra canção da banda.

Aguardo seu comentário!

Adhemar Della Torre.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Café – detalhes técnicos e não tão técnicos.

Porrada na cara. Acho que sempre vai ser uma característica da banda. Café – antes com o nome de Café, Pão e Queijo – foi mais uma do arsenal de puro rock and roll da Oito Mãos. Num primeiro momento a música ia até a frase dita acima, depois de uma tempestade de pratos e caixa, guitarras que carinhosamente apelidamos de “Gremelins” e um Felipe Bier cantando quase beirando ao berro a lá John Lennon (estaria eu exagerando?), depois caía a energia para “tantas notas soltas”, sem cair o beat, a entregava quase que sussurrando “café, pão e queijo”... Entregava para o nada, simplesmente a música acabava aí – ou pelo menos a idéia do Bier acabava aí.
Pedi para criarem um refrão ou coisa parecida. Uma semana depois o André apareceu com “eu preciso, eu tenho é hora”. Pronto. A música estava ali.

Pra ajudar eu peguei no baixo. O Bier mostrou essa na guitarra – que nem o Paul fez com “Hey Jude”, e Lennon teve que ir pro baixo. Criei uma linha que agradou a todos a acabei ficando com o instrumento nessa faixa.

Adhemar gravou a canção em alguns takes. Aliás, nosso grande baterista não deu tanto trabalho como os bateristas costumam dar. Na verdade, Adhemar só exagera nas criações, tendo que poda-lo aqui e acolá, mas nada que comprometa o trampo. Nosso grande problema era a seqüência na parte do André, onde a canção corria muito em sua alteração de bpm (batidas por minuto). Mas o metrônomo nos ajudou – e como! Era só colocar o metrônomo no talo que o Adhemar ia embora. Nosso grande Ringo!

Para a guitarra da introdução e que segue por toda a música como base, usamos a Gabriel plugada direto no pré da placa de som e ao mesmo tempo microfonada com o AKG para pegar o crunch das cordas – dando uma impressão de violão distorcido. Essa viagem me veio a cabeça desde a primeira vez que ouvi “Hello”, faixa que abre o Morning Glory, do Oasis.

Na mix coloquei um delay na voz do Beir e deixei bem de fundo, dando um quê de barreira sonora; deixamos o baixo um pouco mais alto e menos grave na parte do André – esse baixo foi jogado para o lado direito no espectro sonoro; o solo final foi gravada com a Fender do Zé, um solo grave e um solo oitavado agudo, cada um jogado em um lado – o grave na esquerda e o agudo na direita.

Pompeo.

O QUE USAMOS!

Em todo o disco a captação da bateria foi o seguinte: Kit de microfones SAMSON espalhados nos tons, surdo e bumbo. A caixa foi captada com SHURE SM57 e, às vezes, somada com o microfone snare do kit Samson. Um over da MXL – o 901 – pra captar os pratos. Um SHURE SM 58 no chimbal.

Usamos o baixo do Bier, o Fender modelo Marcus Miller, japonês. O baixo plugado em um DI da Behringuer e depois direto no pré da nossa querida Fast Track 8R, da M-Áudio.

Para guitarras usamos meu amplificador Fender Hot Road Deluxe com válvuas Sovitec. Microfonado com o Shure SM 57 – claro, colocamos essas válvulas pra falar deixando o botão de volume perto do 5 ou 6. A mesma coisa para o canal sujo do ampli – usado em quase todos os momentos de guitarra suja no disco.

As guitarras – Minha Fender Lead 2, modelo strato, de 1980, americana, usada na maioria das vezes por André.
Minha Cort MGM Gold made in Indonésia – usada quando queríamos um som mais grave – essa particularmente em “Quando eu for Por mar”.
Minha querida semi acústica hand made, a carinhosamente chamada de Gabriel – usada na guitarra base de “Café” por Bier.
A Publio’s Fender Jaguar Japonesa – fabulosa! Essa usada na maioria das vezes pelo Publio.
A Fender do Zé – irmão do Adhemar – uma strato japonesa envenenada com captadores Saimor Duncan. Essa usada pelo Publio no solo de “Café”.

Pedais de efeito Boss Trêmolo, Boss Delay DD-3, TS9 Ibanez.

Para vozes um AKG perception e um MXL 902.

Teclado Juno6 da Roland devidamente emprestado pelo meu grande amigo João Paulo Rodrigues.


Interface Sonar 8 pra captação e mixagem. Sound Forge pra ver como era a forma da nossa música - e só!

Masterizamos usando o Waves Vintage não sei o quê e o T-Racks, master essa feita por Fábio Boto, sob a nossa aprovação.

E uma boa dose de Cachorro Quente, café da Cida (mãe do André), chicletes e humor do pior tipo que só a Oito Mãos consegue rir – de Hermes e Renato ao palhaço André Leonardo.

Pompeo

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Café

Decidi falar sobre a música que, para mim, é a mais enigmática de "Vejo Cores nas Coisas". Confesso isso com certo estranhamento, afinal ela é uma composição minha e do André. Mas a verdade é que até hoje tento sacar qual é a de Café, o que ela quer dizer, por que ela é uma canção tão estranha pra mim.

Primeiramente, vale dizer que ela é uma das músicas mais antigas do Cd. Se não me engano, a compusemos em 2006. Mas lembro-me como se fosse hoje do frase que fez nascer a música: remexendo o dia com uma colher de chá. Na época, gostei dessa imagem familiar a ambígua: familiar, pois remete, em seu senso mais imediato, ao retrato de alguém sentado numa mesa, mexendo o líquido de uma xícara com sua colher, pensando na vida; ambígua pois a maneira como se estruturam os termos na frase (numa espécie de mistura entre uma metáfora e uma metonímia) pode dar à colher um poder absurdo. Imagine um dia sendo mexido por uma mera colher de chá? O resultado disso seria a vida organizada (ou desorganizada) num redemoinho. Ao invés de uma imagem tranqüila e contemplativa, esta segunda interpretação nos leva para mais perto do coração da música, que não é nada tranqüilo.

Talvez seja por isso que, à pergunta repetida duas vezes "imagine o que achei?", dá-se uma resposta que, no fundo, não é o acesso a nenhum significado, mas precisamente à falta de um: "tantas horas vagas, tantas notas soltas". Diante desta descoberta, a música se retrai e volta à imagem familiar de uma tarde qualquer, porém num tom muito mais desolado, atentando para os objetos dispostos numa mesa de lanche da tarde. Se a música começa de maneira aflitiva e, talvez por isso, pesada, o fim deste primeiro "ato" é resignado e restrito à mera descrição dos objetos que descansam inertes sobre a mesa: "café, pão e queijo."


Neste momento, há um corte na canção. Entra a parte escrita pelo André como um choque na consciência deste eu-lírico aflito e resignado: "eu preciso, eu tenho é hora! Já foi-se o tempo de olhar pra trás!". O redemoinho - que pode ser inclusive identificado na cadência das guitarras, que parecem dar voltas sobre si mesmas - retorna; entretanto, há uma rotação de perspectiva que permite ao eu-lírico uma nova visão sobre o vórtice de sentimentos em que ele está metido. Passa-se de uma posição passiva, em que se observa o dia sendo remexido por uma colher de chá, para a identificação dos elementos que confundem a consciência daquele que canta. O choque dado pelo coelho de "Alice no país das maravilhas" parece ter surtido efeito: emerge a lembrança que possivelmente desorganizava a mente do nosso personagem "e eu lembrei daquela vez, dos versos que eu te dei". À lembrança sucedem-se os seguintes questionamentos: "eu consegui te alcançar? eu consegui te tocar solta na infância, dentro de palavras?". Torna-se bem claro o que aconteceu no passado: uma carta, ou a tentativa de escrita de uma poesia, que tentava se alçar a um patamar de significação tão alto quanto a própria imagem da infância: inciativa fadada ao fracasso, isso é certo. Não saberia dizer muito bem se esta carta é escrita para outra pessoa ou se para si mesmo. Se tivesse que escolher, diria que se trata mais de uma fantasia do que de algo que realmente aconteceu: os versos, podendo aqui significar exatamente a tentativa de simbolizar algum tipo de sentimento, falham em sua tarefa de alcançar a liberdade da infância (entendida aqui não como uma lembrança dourada e idílica, mas como um momento de total abertura ao mundo, seja para o bem ou para o mal). Novamente, o resultado da tentativa de simbolização resulta num vácuo de significado, expresso na constatação novamente resignada, porém consciente, daquilo que é o espírito da música: a mesa virada do avesso, no meio do redemoinho, sobre a qual estão, ao mesmo tempo, tudo e nada.

Bom, essa foi a minha tentativa de desvelar o segredo dessa música que, para mim, foi e continua sendo a que oferece os maiores desafios para a interpretação.

Bier

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Fazendo um disco - Parte 1.

Se tem uma coisa que esquecemos de fazer no decorrer da gravação de “Vejo Cores nas Coisas”, essa coisa é o chamado making of. Sabíamos que estávamos fazendo algo muito importante para todos os envolvidos. Desde que conheci a banda, minha vida só cresceu. Tenho a impressão de que somos aquele tal acidente esperando para acontecer, como diz a letra de There There, da banda inglesa Radiohead.
Quando eu entrei para a banda com a condição de tentar melhorar musicalmente o relacionamento entre eles, a meta sempre foi gravar um disco. O André me chamou para ser empresário da banda. Eu havia ouvido a demo deles intitulada “Inverno Inusitado”, e logo com o nome do trabalho já fiquei com os olhos atentos. Fazia tempo que não ouvia o nome de um disco tão profundo. Pelo menos foi a impressão que me deu. Até o nome do disco da minha banda, “Até o Fim”, me soava como falta de coisa melhor. Os disco do Los Hermanos – até então o que havia de mais perfeito para nós – tinham seus nomes com um possível impacto - “O Bloco do Eu Sozinho”, “Ventura” e “4”. Nesses tempos eu me sentia num bloco apenas meu, pois eu achava ser a única pessoa em Campinas a fim de fazer música própria, com pitadas de Los Hermanos, Oasis e, claro, Beatles.
Vi no Oito Mãos a possibilidade de crescer como artista, pois os meninos sempre tiveram a criatividade fora do comum, encorajados por um leve “foda-se” para aquilo que chamam de comércio, somado com uma boa pitada de inteligência acadêmica.
André é filósofo, Bier é sociólogo, Publio é publicitário e Adhemar um baita de um advogado. E eu, um simples músico com uma carreira um pouco na frente deles. Eu havia gravado com Sérgio Dias, ex-Mutates, e usei esse argumento para tudo e todos. Eu tinha 2 discos gravados – um no Basement, em Campinas, por Tarsa e Piuí, e mais tarde no Midas Estúdio, produzido por Toninho Ruiz.
Eu tinha uma experiência a mais com certas coisas, como colocação vocal, afinação vocal, tempo musical, caminhos e arranjos que a música poderia tomar. Eles sabiam disso e resolveram arriscar colocando um louco para produzir aquele manicômio.
No dia em que conheci a Oito Mãos, estávamos numa padaria próxima a casa do André, local onde virou nosso ponto de encontro, e vi eles ali, comendo pão de queijo e o tradicional suco de laranja para o Bier. Conversamos bastante e fomos para a casa do André, onde por todo o resto do tempo ocorreram os ensaios, as gravações de “Vejo Cores”, “Esperanto” – o meu disco; a gravação de duas canções cover do Oasis para uma banda de amigos – a Ladz; e a mix final do single “Viu Bee”, dos grandiosos JB e Seus Amigos Sex Symbols.
- Quero ouvir a canção que vocês acham a melhor do repertório.
Então eles se apresentaram para mim tocando “História de Outra Vez”. Achei tudo muito confuso, mas ao mesmo tempo percebi que ali tinha coisa. Vi neles uma banda nova, um som que me agradou muito, e, principalmente, a possibilidade de eu crescer. Depois tocaram “Vidros Altos”, “Amor Inconseqüente”, “Alguém”, “Sei Lá”, e outras que não me lembro. Depois finalizamos o ensaio com eu assumindo a guitarra do André e fizemos umas 12 canções do Oasis.
É claro que esse Making Of é baseado na minha memória, pois como eu comentei anteriormente ninguém se mexeu para registrar em vídeos as coisas que fazíamos no estúdio. Só que a minha memória não anda mais tão confiável. Ela parece uma fita K7 bem velha, que teima em funcionar, mas que às vezes pipoca.



Sei Lá

Essa foi a primeira canção que gravamos, com o argumento de que eu queria ver como o André, Bier e Publio se saiam cantando em estúdio. Eu perguntei pra eles quem que eles achavam que era o melhor cantor. Elegeram o André.
“Sei Lá” é uma canção ácida, puro rock and roll, barulhenta, cheia de condução em prato de ataque, resultando numa parede de fúria sonora. Depois do primeiro refrão, vinha as vozes, respectivamente, de Publio, Bier e depois entrava André rasgando suas pregas vocais, de um modos que eu sempre admirei, pois me passava a idéia de loucura, e era justamente isso que a letra me mostrava: um louco falando qualquer coisa pra no fim dizer “ah, eu sei lá.”
Até onde eu sei, André tem uma canção chamada “A Menina Perfeita Pra Mim”, e que eu apelidei carinhosamente de “Faroeste Caboclo” da banda, pois a canção tem uns belos 15 minutos. Ocorreu que numa tentativa frustrada de passar essa canção pra banda, André prometeu que faria uma canção “de banda”, pra calar a boca dos idiotas que não o entenderam. Foi assim que nasceu “Sei Lá”.
Eu havia entrado em contato com uma galera do meio gospel. Um disco relativamente bem feito veio para nas minhas mãos, gravado por Marco Dian – que apelidamos de “bixo”, pois o cara sempre nos chamava assim quando se referia para um de nós. O estúdio dele é em Sumaré. Fomos pra lá conhecer o local e eu logo me apresentei como produtor musical da banda e já fui falando pra ele que eu não era nenhum fodão, que eu apenas sabia o que eu queria.
A música foi gravada uma semana depois, num sábado e num domingo. O auxiliar de estúdio falava que tínhamos um tal “papo de surfista” ao ouvir nossas viagens filosóficas. É de se entender quando você para pra prestar atenção numa conversa coloquial entre André e Bier, defendendo o discurso direto e o propósito do significado, argumentando com textos e autores que vão além de Aristóteles e Platão.
No geral a canção soa bem. André berrou do jeito que eu quis. Adhemar tocou forte e no tempo. Bier matou seu baixo no segundo take e Publio não deu trabalho com a Fender Stratocaster que emprestamos, plugada no meu Fender Princetom 112 Plus, usando um pedal de drive Tube Screamer, da Ibanez – o famoso verdinho. A única coisa que me incomoda nessa gravação é o som da caixa da bateria e o modo “seco de mais” que tem aquela mixagem.

Volto depois falando sobre "História de Outra Vez e Guarde a Última Dança"

Felippe Pompeo.

Vendo Cores Nas Coisas

A Palavra COISA se designa a quase tudo nessa vida, e é nesse sentido que "Coisa" foi parar no título do disco. Temos mania de dizer cada coisa...

- Que coisa, viu!
- Essa coisa vai coisar!
- Que coisa é essa?

No caso do título "Vejo Cores nas Coisas", foi o Publio que nos apresentou essa viagem. Segundo ele, tudo tem uma cor específica. O disco contém 13 faixas, e cada faixa tem sua própria cor - coisa de artista, claro.

Se você pegar o encarte do disco, dentro, em cada música com suas respectivas letras, o fundo é decorado com uma das tábuas da cerca pintada da capa, onde há o olho misterioso de Jequeline Costa Dias - filha do nosso colaborador full time Fabio Dias, vulgo Boto. Cada música tem sua própria cor, e isso você vai ver assim que o disco chegar de Manaus - cerca de 20 dias úteis, mas como se trata de Brasil, qualquer motivo para atraso é louvável.

Dizem que os cegos de fato entendem as cores. Eu estudei com uma cega, e cheguei a perguntar como ela imaginava as cores. Me disse, a Gisele, que entendia as cores quentes e as frias - vermelho, amarelo, abóbora (cores quentes) e azul, roxo, branco (cores frias). O cego não vê, mas sente que o fogo é quente e que o gelo é frio. Se você pensar, Ver Cor Nas Coisas é coisa de cego, e é aí que mora a singularidade do título do disco.

Singular é uma palavra complicada. Um conjunto de 13 obras musicais soam singulares? Sim, por mais que 13 seja algo meio, digamos assim, plural. "Vejo Cores Nas Coisas" é um disco único. Uma hora e alguns minutos de puro rock and roll, romantismo, sonhos, maluquices... frases soltas, frases amarradas, pensamentos e objetivos. É assim que um disco tem que ser - como antigamente, assim como o "Sgt Peppers", dos nossos heróis.

Esse blog vai servir, praticamente, para curiosidades e para esclarecer os porquês da banda - ora do meu ponto de vista, ora do ponto de vista deles mesmos (espero!).

Aqui serão descritos o fervilhão que são os fundos da casa do André, onde tudo acontece. Um pequeno lugar - lá com os seus 5 metros quadrados (sim, é um quarto) - pequeno fisicamente, pois coisas grandiosas aconteceram por lá, e irão acontecer cada vez mais.

Te digo: Seja bem vindo ao Câmara de Eco, com sua instalação temporariamente na Querubim Uriel, Cambuí, Campinas - SP. Se você é fã da banda, é pra você que esse blog foi criado.

Te convido a tentar ver cor nas coisas, e o mundo vai ser muito mais psicodélico, no sentido divertido de se viver.

Felippe Pompeo.