segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Fazendo um disco - parte 2.

O Cakewalk, dizem por aí, é o esperma do Pró Tools. Foi no Cakewalk, um software levinho que tornava possível gravar mais de uma pista – o que quer dizer dobras de violão e de vocais, tudo isso usando um microfone precário de PC – em que eu e o André gravávamos nossas demos e mandávamos um pro outro através do MSN.
Essa troca de MP3 foi muito importante, pois foi nessas idas e vindas de arquivos fonográficos que fui conhecer canções lindas do André, como “A Menina Perfeita pra Mim”, “Verniz”, “Hoje eu quero dançar com você” – essa última em que o Bier roubou o refrão e colocou em “Guarde a Última Dança” – e “Grave Lacuna”, uma música muito, muito estranha!
Com quatro climas – introdução, canto, solo e refrão – “Grave Lacuna” era uma canção de respeito explícito. Só um idiota ouviria essa música e falaria que era ruim – pelo menos foi o que eu pensei quando a ouvi pronta, com a banda toda tocando. “Grave Lacuna” tinha todos os ingredientes para se tornar uma música de impacto. Por mais que ninguém ouviu falar da banda através dela, sabemos que essa canção nos ajudou no nosso sucesso pessoal.
O Basement havia fechado suas portas – para a agonia das bandas independentes da cidade. Caio Ribeiro estava trabalhando no estúdio do Mário, em Barão Geraldo. Então lá foi o lugar escolhido para mais uma gravação.
No Mário as coisas foram muito bem, obrigado. A canção já veio pronta, e desde a primeira vez que a apresentamos – no palco do Woodstock, junto dos queridos JB e Seus Amigos Sex Symbols – tivemos bons retornos – ou seja, a música tinha tudo pra dar certo na gravação.
Usamos os recursos do Pró Tools para gravar guitarra, baixo, midi de Fender Roads e Órgão Hammond. Confesso que meu único problema com a gravação é a vocalização no fim da música, quando todos cantam junto o refrão.
Eu quis captar a “magia” do coro. Então pedi pro Mário montar mais de um microfone a fim de gravar ao vivo as quatro vozes... Até que ficou bom, mas eu ouço muita a minha voz. O que acontece é que esse tipo de técnica de gravação tudo tem que estar perfeito, de modo que não dá pra mixar separadamente, pois eu cantei no mesmo microfone do Bier e o Publio no mesmo do André. Outro problema de gravar ao vivo dessa forma é que você tem que cantar que nem os Beach Boys, e isso a gente não consegue.
Outra curiosidade – se é que se pode chamar essas informações de curiosas – é que no começo da gravação de voz principal o André estava completamente fora da sintonia. Cantava forte demais, como se fosse um roqueiro maluco. Isso se deve a uma interpretação equivocada do que eu sempre disse quanto a “soltar a voz” para cantar. Um bom exemplo foi quando o Bier começou a gravar a voz de CAFÉ, a gente berrava da técnica “sai do armário Bier”, uma forma bem zoada de falar “solta a voz”. Mas há casos e acasos. No caso de “Grave Lacuna”, a música começava muito calma, num clima completo de lareira. Depois de uns oito takes, cheguei pro André e disse.
- Cara... Lembra daquela versão da música que você me mandou por MSN, gravado no Cakewalk? Então, é daquele jeito que você tem que cantar essa primeira parte. Lá na frente é que você berra, mas sem arranhar a garganta. Eu sei que você está soltando a voz, mas tem que interpretar. Você não está me convencendo da letra da música cantando desse jeito. Vem mais suave!
Acho que ele adorou a idéia e fez de primeira. Depois dobramos a voz – nossa primeira dobra em vocal principal - e tudo soou bem.
“Grave Lacuna” nos levou ao prêmio do “Cena Musica Independente”, um festival bem bacana organizado pela secretaria da cultura do Estado de SP, no qual ganhamos uma grana e fomos convidados passar três dias em São Sebastião e fazer um show de meia hora na Rua da Praia, no centro da cidade, para umas quarenta pessoas – num lugar que deveria caber umas 80 mil. Tudo isso foi fantástico, pois além do prêmio em dinheiro – que revelou nosso primeiro cachê de verdade para tocar – viajamos para o litoral, onde foi possível nos conhecermos melhor. Eu digo que nessa viagem eu percebei o que cada um pretendia com a banda e foi aí que viramos, de fato, amigos. Outra coisa foi que eu percebi o quanto esses caras eram loucos.
Ganhamos também o quarto lugar do 2° Unifest Rock – a primeira versão havíamos mandado “Sei Lá” e não fomos aceitos.
Com o primeiro prêmio montamos nosso estúdio improvisado – o Câmara de Eco – e com o segundo prêmio mandamos fabricar “Vejo Cores Nas Coisas”, nosso primeiro trabalho no Echo Chamber.
Finalmente, nosso primeiro disco de verdade!

Pompeo.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Café, pelo batera

Peço venia para dirigir-me ao baixista Bier. Confesso que nunca havia me atentado à profundidade imanente que impregna a canção. Peço venia a você também, caro leitor, que muito me honra com seu precioso tempo e peculiar atenção. No mais, afastar-me-ei dos eufemismos particulares e da rebuscada linguagem utilizada por nosso baixista, preferindo atribuir caráter lúdico à nossa suscinta prosa.

Remexendo o dia, com uma colher de chá. Simples assim. A imagem que me salta é serena, harmônica. Revela uma despreocupada ação comissiva de entreter-se com as banalidades do cotidiano: quem nunca alçou voo em seus pensamentos ao agitar uma colher em uma xícara de chá, ou copo de leite com achocolatado... geralmente são ações tão corriqueiras que sequer prestamos a devida atenção àquilo que fazemos. É o mesmo que trocar as marchas ao dirigir, ou murmurar um palavrão quando nos aborrecemos: são automatismos presentes em nosso dia-a-dia. E foi muito bem ilustrado pelo baixista-compositor, que captou com primazia a essência da serenidade da ação - algo fugaz e, ao mesmo tempo, profundo.

Imagine o que achei: remonta, a meu ver, ao despertar consciente - de súbito - para algo revelador e de importância para o interlocutor. Um pensamento vago que tomou forma relevante; a descoberta da resolução de um problema que atormentava quem despretenciosamente remexia com a colher.

Tantas horas vagas, tantas notas soltas: remonta igualmente à descoberta. O ócio - revelado pelo exíguo lapso temporal de despreocupação - remete à preocupação do interlocutor. É o cerne de seu problema.

E sobre a mesa, café, pão e queijo: reflete a volta do movimento transcendete perpetrado pelo interlocutor. É o retorno ao status quo ante, onde - novamente consciente - depara-se com os objetos que pairam sobre a mesa.

É preciso, é tempo, é hora; já foi o tempo de olhar pra trás: aqui, a quebra na cadência é marcante - uma vez que invade a composição original a idéia de outro compositor (André Leonardo). Pode ser encarado como um movimento de involução musical, visto que nos deparamos com uma verdadeira tormenta de idéias estranhas à estrofe inicial. É algo enigmático e, ao mesmo tempo, despretencioso. Porém, interpreto como um chamado para o avanço, para a caminhada, que fica evidente na próxima frase navegar, tratar de avançar. É fruto da ótica progressista da Oito Mãos.

Se for acidental será um sinal; se for acidental, menos mal; se for acidental... - aqui, sobrepõe-se a revolução à involução: o elemento accidit implica em avanço, sobrepujando-se ao marasmo que se remonta à ação inicial contida no primeiro verso da primeira estrofe.

E eu lembrei daquela vez; dos versos que eu te dei: o verso retoma a ótica do idealizador inicial, Felipe Bier. Em contrapartida, há uma ruptura com a banalidade que marca o primeiro momento da canção e o rito de passagem - identificado como a composição de André Leonardo. O passado é presente e se configura elemento ativo da canção, que norteará a atitude do interlocutor daqui em diante.

Eu consegui te alcançar, eu consegui te tocar: sob meu ponto de vista, estamos diante do verso com maior grau de lirismo da canção. Seu caráter ambíguo revela o charme do eu-lírico adotado por Felipe Bier: te toquei fisicamente ou te toquei com os versos que te dei? Fica consignado meu convite a você, leitor, para que interprete da maneira que mais lhe tocar.

Solta na infância, dentro de palavras: meus caros, não faço idéia do que quis dizer o compositor. Imagino algo como Lucy in the sky with diamonds: psicodelia genérica que dá um charme à cadência do disco.

E sobre a mesa, o chão, a gente, e o mundo: traz a idéia de aglutinação de ideais, etnias, culturas. Uma verdadeira salada de informações que são utilizadas para a criação das composições - tanto letra como música - e que refletem o íntimo da banda.

Essa é minha visão da excelente composição de Felipe Bier Nogueira e André Leonardo Santos - da qual tive o privilégio de participar - tanto do momento criativo, quanto da composição musical. É importante que o leitor conheça a música para sentir aquilo que ela lhe diz - afinal, as interpretações são pessoais. E é essa valoração paralela que convido você - leitor - a realizar dessa e de qualquer outra canção da banda.

Aguardo seu comentário!

Adhemar Della Torre.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Café – detalhes técnicos e não tão técnicos.

Porrada na cara. Acho que sempre vai ser uma característica da banda. Café – antes com o nome de Café, Pão e Queijo – foi mais uma do arsenal de puro rock and roll da Oito Mãos. Num primeiro momento a música ia até a frase dita acima, depois de uma tempestade de pratos e caixa, guitarras que carinhosamente apelidamos de “Gremelins” e um Felipe Bier cantando quase beirando ao berro a lá John Lennon (estaria eu exagerando?), depois caía a energia para “tantas notas soltas”, sem cair o beat, a entregava quase que sussurrando “café, pão e queijo”... Entregava para o nada, simplesmente a música acabava aí – ou pelo menos a idéia do Bier acabava aí.
Pedi para criarem um refrão ou coisa parecida. Uma semana depois o André apareceu com “eu preciso, eu tenho é hora”. Pronto. A música estava ali.

Pra ajudar eu peguei no baixo. O Bier mostrou essa na guitarra – que nem o Paul fez com “Hey Jude”, e Lennon teve que ir pro baixo. Criei uma linha que agradou a todos a acabei ficando com o instrumento nessa faixa.

Adhemar gravou a canção em alguns takes. Aliás, nosso grande baterista não deu tanto trabalho como os bateristas costumam dar. Na verdade, Adhemar só exagera nas criações, tendo que poda-lo aqui e acolá, mas nada que comprometa o trampo. Nosso grande problema era a seqüência na parte do André, onde a canção corria muito em sua alteração de bpm (batidas por minuto). Mas o metrônomo nos ajudou – e como! Era só colocar o metrônomo no talo que o Adhemar ia embora. Nosso grande Ringo!

Para a guitarra da introdução e que segue por toda a música como base, usamos a Gabriel plugada direto no pré da placa de som e ao mesmo tempo microfonada com o AKG para pegar o crunch das cordas – dando uma impressão de violão distorcido. Essa viagem me veio a cabeça desde a primeira vez que ouvi “Hello”, faixa que abre o Morning Glory, do Oasis.

Na mix coloquei um delay na voz do Beir e deixei bem de fundo, dando um quê de barreira sonora; deixamos o baixo um pouco mais alto e menos grave na parte do André – esse baixo foi jogado para o lado direito no espectro sonoro; o solo final foi gravada com a Fender do Zé, um solo grave e um solo oitavado agudo, cada um jogado em um lado – o grave na esquerda e o agudo na direita.

Pompeo.

O QUE USAMOS!

Em todo o disco a captação da bateria foi o seguinte: Kit de microfones SAMSON espalhados nos tons, surdo e bumbo. A caixa foi captada com SHURE SM57 e, às vezes, somada com o microfone snare do kit Samson. Um over da MXL – o 901 – pra captar os pratos. Um SHURE SM 58 no chimbal.

Usamos o baixo do Bier, o Fender modelo Marcus Miller, japonês. O baixo plugado em um DI da Behringuer e depois direto no pré da nossa querida Fast Track 8R, da M-Áudio.

Para guitarras usamos meu amplificador Fender Hot Road Deluxe com válvuas Sovitec. Microfonado com o Shure SM 57 – claro, colocamos essas válvulas pra falar deixando o botão de volume perto do 5 ou 6. A mesma coisa para o canal sujo do ampli – usado em quase todos os momentos de guitarra suja no disco.

As guitarras – Minha Fender Lead 2, modelo strato, de 1980, americana, usada na maioria das vezes por André.
Minha Cort MGM Gold made in Indonésia – usada quando queríamos um som mais grave – essa particularmente em “Quando eu for Por mar”.
Minha querida semi acústica hand made, a carinhosamente chamada de Gabriel – usada na guitarra base de “Café” por Bier.
A Publio’s Fender Jaguar Japonesa – fabulosa! Essa usada na maioria das vezes pelo Publio.
A Fender do Zé – irmão do Adhemar – uma strato japonesa envenenada com captadores Saimor Duncan. Essa usada pelo Publio no solo de “Café”.

Pedais de efeito Boss Trêmolo, Boss Delay DD-3, TS9 Ibanez.

Para vozes um AKG perception e um MXL 902.

Teclado Juno6 da Roland devidamente emprestado pelo meu grande amigo João Paulo Rodrigues.


Interface Sonar 8 pra captação e mixagem. Sound Forge pra ver como era a forma da nossa música - e só!

Masterizamos usando o Waves Vintage não sei o quê e o T-Racks, master essa feita por Fábio Boto, sob a nossa aprovação.

E uma boa dose de Cachorro Quente, café da Cida (mãe do André), chicletes e humor do pior tipo que só a Oito Mãos consegue rir – de Hermes e Renato ao palhaço André Leonardo.

Pompeo

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Café

Decidi falar sobre a música que, para mim, é a mais enigmática de "Vejo Cores nas Coisas". Confesso isso com certo estranhamento, afinal ela é uma composição minha e do André. Mas a verdade é que até hoje tento sacar qual é a de Café, o que ela quer dizer, por que ela é uma canção tão estranha pra mim.

Primeiramente, vale dizer que ela é uma das músicas mais antigas do Cd. Se não me engano, a compusemos em 2006. Mas lembro-me como se fosse hoje do frase que fez nascer a música: remexendo o dia com uma colher de chá. Na época, gostei dessa imagem familiar a ambígua: familiar, pois remete, em seu senso mais imediato, ao retrato de alguém sentado numa mesa, mexendo o líquido de uma xícara com sua colher, pensando na vida; ambígua pois a maneira como se estruturam os termos na frase (numa espécie de mistura entre uma metáfora e uma metonímia) pode dar à colher um poder absurdo. Imagine um dia sendo mexido por uma mera colher de chá? O resultado disso seria a vida organizada (ou desorganizada) num redemoinho. Ao invés de uma imagem tranqüila e contemplativa, esta segunda interpretação nos leva para mais perto do coração da música, que não é nada tranqüilo.

Talvez seja por isso que, à pergunta repetida duas vezes "imagine o que achei?", dá-se uma resposta que, no fundo, não é o acesso a nenhum significado, mas precisamente à falta de um: "tantas horas vagas, tantas notas soltas". Diante desta descoberta, a música se retrai e volta à imagem familiar de uma tarde qualquer, porém num tom muito mais desolado, atentando para os objetos dispostos numa mesa de lanche da tarde. Se a música começa de maneira aflitiva e, talvez por isso, pesada, o fim deste primeiro "ato" é resignado e restrito à mera descrição dos objetos que descansam inertes sobre a mesa: "café, pão e queijo."


Neste momento, há um corte na canção. Entra a parte escrita pelo André como um choque na consciência deste eu-lírico aflito e resignado: "eu preciso, eu tenho é hora! Já foi-se o tempo de olhar pra trás!". O redemoinho - que pode ser inclusive identificado na cadência das guitarras, que parecem dar voltas sobre si mesmas - retorna; entretanto, há uma rotação de perspectiva que permite ao eu-lírico uma nova visão sobre o vórtice de sentimentos em que ele está metido. Passa-se de uma posição passiva, em que se observa o dia sendo remexido por uma colher de chá, para a identificação dos elementos que confundem a consciência daquele que canta. O choque dado pelo coelho de "Alice no país das maravilhas" parece ter surtido efeito: emerge a lembrança que possivelmente desorganizava a mente do nosso personagem "e eu lembrei daquela vez, dos versos que eu te dei". À lembrança sucedem-se os seguintes questionamentos: "eu consegui te alcançar? eu consegui te tocar solta na infância, dentro de palavras?". Torna-se bem claro o que aconteceu no passado: uma carta, ou a tentativa de escrita de uma poesia, que tentava se alçar a um patamar de significação tão alto quanto a própria imagem da infância: inciativa fadada ao fracasso, isso é certo. Não saberia dizer muito bem se esta carta é escrita para outra pessoa ou se para si mesmo. Se tivesse que escolher, diria que se trata mais de uma fantasia do que de algo que realmente aconteceu: os versos, podendo aqui significar exatamente a tentativa de simbolizar algum tipo de sentimento, falham em sua tarefa de alcançar a liberdade da infância (entendida aqui não como uma lembrança dourada e idílica, mas como um momento de total abertura ao mundo, seja para o bem ou para o mal). Novamente, o resultado da tentativa de simbolização resulta num vácuo de significado, expresso na constatação novamente resignada, porém consciente, daquilo que é o espírito da música: a mesa virada do avesso, no meio do redemoinho, sobre a qual estão, ao mesmo tempo, tudo e nada.

Bom, essa foi a minha tentativa de desvelar o segredo dessa música que, para mim, foi e continua sendo a que oferece os maiores desafios para a interpretação.

Bier

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Fazendo um disco - Parte 1.

Se tem uma coisa que esquecemos de fazer no decorrer da gravação de “Vejo Cores nas Coisas”, essa coisa é o chamado making of. Sabíamos que estávamos fazendo algo muito importante para todos os envolvidos. Desde que conheci a banda, minha vida só cresceu. Tenho a impressão de que somos aquele tal acidente esperando para acontecer, como diz a letra de There There, da banda inglesa Radiohead.
Quando eu entrei para a banda com a condição de tentar melhorar musicalmente o relacionamento entre eles, a meta sempre foi gravar um disco. O André me chamou para ser empresário da banda. Eu havia ouvido a demo deles intitulada “Inverno Inusitado”, e logo com o nome do trabalho já fiquei com os olhos atentos. Fazia tempo que não ouvia o nome de um disco tão profundo. Pelo menos foi a impressão que me deu. Até o nome do disco da minha banda, “Até o Fim”, me soava como falta de coisa melhor. Os disco do Los Hermanos – até então o que havia de mais perfeito para nós – tinham seus nomes com um possível impacto - “O Bloco do Eu Sozinho”, “Ventura” e “4”. Nesses tempos eu me sentia num bloco apenas meu, pois eu achava ser a única pessoa em Campinas a fim de fazer música própria, com pitadas de Los Hermanos, Oasis e, claro, Beatles.
Vi no Oito Mãos a possibilidade de crescer como artista, pois os meninos sempre tiveram a criatividade fora do comum, encorajados por um leve “foda-se” para aquilo que chamam de comércio, somado com uma boa pitada de inteligência acadêmica.
André é filósofo, Bier é sociólogo, Publio é publicitário e Adhemar um baita de um advogado. E eu, um simples músico com uma carreira um pouco na frente deles. Eu havia gravado com Sérgio Dias, ex-Mutates, e usei esse argumento para tudo e todos. Eu tinha 2 discos gravados – um no Basement, em Campinas, por Tarsa e Piuí, e mais tarde no Midas Estúdio, produzido por Toninho Ruiz.
Eu tinha uma experiência a mais com certas coisas, como colocação vocal, afinação vocal, tempo musical, caminhos e arranjos que a música poderia tomar. Eles sabiam disso e resolveram arriscar colocando um louco para produzir aquele manicômio.
No dia em que conheci a Oito Mãos, estávamos numa padaria próxima a casa do André, local onde virou nosso ponto de encontro, e vi eles ali, comendo pão de queijo e o tradicional suco de laranja para o Bier. Conversamos bastante e fomos para a casa do André, onde por todo o resto do tempo ocorreram os ensaios, as gravações de “Vejo Cores”, “Esperanto” – o meu disco; a gravação de duas canções cover do Oasis para uma banda de amigos – a Ladz; e a mix final do single “Viu Bee”, dos grandiosos JB e Seus Amigos Sex Symbols.
- Quero ouvir a canção que vocês acham a melhor do repertório.
Então eles se apresentaram para mim tocando “História de Outra Vez”. Achei tudo muito confuso, mas ao mesmo tempo percebi que ali tinha coisa. Vi neles uma banda nova, um som que me agradou muito, e, principalmente, a possibilidade de eu crescer. Depois tocaram “Vidros Altos”, “Amor Inconseqüente”, “Alguém”, “Sei Lá”, e outras que não me lembro. Depois finalizamos o ensaio com eu assumindo a guitarra do André e fizemos umas 12 canções do Oasis.
É claro que esse Making Of é baseado na minha memória, pois como eu comentei anteriormente ninguém se mexeu para registrar em vídeos as coisas que fazíamos no estúdio. Só que a minha memória não anda mais tão confiável. Ela parece uma fita K7 bem velha, que teima em funcionar, mas que às vezes pipoca.



Sei Lá

Essa foi a primeira canção que gravamos, com o argumento de que eu queria ver como o André, Bier e Publio se saiam cantando em estúdio. Eu perguntei pra eles quem que eles achavam que era o melhor cantor. Elegeram o André.
“Sei Lá” é uma canção ácida, puro rock and roll, barulhenta, cheia de condução em prato de ataque, resultando numa parede de fúria sonora. Depois do primeiro refrão, vinha as vozes, respectivamente, de Publio, Bier e depois entrava André rasgando suas pregas vocais, de um modos que eu sempre admirei, pois me passava a idéia de loucura, e era justamente isso que a letra me mostrava: um louco falando qualquer coisa pra no fim dizer “ah, eu sei lá.”
Até onde eu sei, André tem uma canção chamada “A Menina Perfeita Pra Mim”, e que eu apelidei carinhosamente de “Faroeste Caboclo” da banda, pois a canção tem uns belos 15 minutos. Ocorreu que numa tentativa frustrada de passar essa canção pra banda, André prometeu que faria uma canção “de banda”, pra calar a boca dos idiotas que não o entenderam. Foi assim que nasceu “Sei Lá”.
Eu havia entrado em contato com uma galera do meio gospel. Um disco relativamente bem feito veio para nas minhas mãos, gravado por Marco Dian – que apelidamos de “bixo”, pois o cara sempre nos chamava assim quando se referia para um de nós. O estúdio dele é em Sumaré. Fomos pra lá conhecer o local e eu logo me apresentei como produtor musical da banda e já fui falando pra ele que eu não era nenhum fodão, que eu apenas sabia o que eu queria.
A música foi gravada uma semana depois, num sábado e num domingo. O auxiliar de estúdio falava que tínhamos um tal “papo de surfista” ao ouvir nossas viagens filosóficas. É de se entender quando você para pra prestar atenção numa conversa coloquial entre André e Bier, defendendo o discurso direto e o propósito do significado, argumentando com textos e autores que vão além de Aristóteles e Platão.
No geral a canção soa bem. André berrou do jeito que eu quis. Adhemar tocou forte e no tempo. Bier matou seu baixo no segundo take e Publio não deu trabalho com a Fender Stratocaster que emprestamos, plugada no meu Fender Princetom 112 Plus, usando um pedal de drive Tube Screamer, da Ibanez – o famoso verdinho. A única coisa que me incomoda nessa gravação é o som da caixa da bateria e o modo “seco de mais” que tem aquela mixagem.

Volto depois falando sobre "História de Outra Vez e Guarde a Última Dança"

Felippe Pompeo.

Vendo Cores Nas Coisas

A Palavra COISA se designa a quase tudo nessa vida, e é nesse sentido que "Coisa" foi parar no título do disco. Temos mania de dizer cada coisa...

- Que coisa, viu!
- Essa coisa vai coisar!
- Que coisa é essa?

No caso do título "Vejo Cores nas Coisas", foi o Publio que nos apresentou essa viagem. Segundo ele, tudo tem uma cor específica. O disco contém 13 faixas, e cada faixa tem sua própria cor - coisa de artista, claro.

Se você pegar o encarte do disco, dentro, em cada música com suas respectivas letras, o fundo é decorado com uma das tábuas da cerca pintada da capa, onde há o olho misterioso de Jequeline Costa Dias - filha do nosso colaborador full time Fabio Dias, vulgo Boto. Cada música tem sua própria cor, e isso você vai ver assim que o disco chegar de Manaus - cerca de 20 dias úteis, mas como se trata de Brasil, qualquer motivo para atraso é louvável.

Dizem que os cegos de fato entendem as cores. Eu estudei com uma cega, e cheguei a perguntar como ela imaginava as cores. Me disse, a Gisele, que entendia as cores quentes e as frias - vermelho, amarelo, abóbora (cores quentes) e azul, roxo, branco (cores frias). O cego não vê, mas sente que o fogo é quente e que o gelo é frio. Se você pensar, Ver Cor Nas Coisas é coisa de cego, e é aí que mora a singularidade do título do disco.

Singular é uma palavra complicada. Um conjunto de 13 obras musicais soam singulares? Sim, por mais que 13 seja algo meio, digamos assim, plural. "Vejo Cores Nas Coisas" é um disco único. Uma hora e alguns minutos de puro rock and roll, romantismo, sonhos, maluquices... frases soltas, frases amarradas, pensamentos e objetivos. É assim que um disco tem que ser - como antigamente, assim como o "Sgt Peppers", dos nossos heróis.

Esse blog vai servir, praticamente, para curiosidades e para esclarecer os porquês da banda - ora do meu ponto de vista, ora do ponto de vista deles mesmos (espero!).

Aqui serão descritos o fervilhão que são os fundos da casa do André, onde tudo acontece. Um pequeno lugar - lá com os seus 5 metros quadrados (sim, é um quarto) - pequeno fisicamente, pois coisas grandiosas aconteceram por lá, e irão acontecer cada vez mais.

Te digo: Seja bem vindo ao Câmara de Eco, com sua instalação temporariamente na Querubim Uriel, Cambuí, Campinas - SP. Se você é fã da banda, é pra você que esse blog foi criado.

Te convido a tentar ver cor nas coisas, e o mundo vai ser muito mais psicodélico, no sentido divertido de se viver.

Felippe Pompeo.