domingo, 7 de março de 2010

Fazendo um disco. Parte 4

MIXAGEM

Pompeo, essa voz tem que ter um som de areia! Como se eu tivesse cantando dentro da areia, saca?” – André, sobre a voz de “Verniz”.

Meu amigo Fábio Boto me disse certa vez que a mixagem de um disco não se conclui, a gente simplesmente desisti. Outra pérola dele é a famosa frase “o não nós já temos”.
Em primeiríssimo lugar deixo claro que estou satisfeito com o resultado final de “Vejo Cores nas Coisas”. Abusei do não usual sabendo que a banda é apaixonada por coisas não usuais.
Para quem não sabe, mixagem é um termo abrasileirado para a palavra inglesa “mix”, que quer dizer “mistura”. Uma música é composta por alguns elementos básicos: bumbo, caixa, chimbal, tom 1, tom 2, surdo, over (pratos e altas da batera) – guitarra do André, guitarra do Publio, baixo do Bier, voz. Não sei se o leitor contou, mas somam onze elementos. Mas não ache que uma música da Oito Mãos tenha menos do que onze ou um pouco mais. Estimo que a média de elementos no disco seja de uns 38 – 12 só de vozes.
O conceito, então, é pegar todos esses elementos e misturá-los, de modo que tudo soe perfeitamente em seus ouvidos, desde em caixas equipadas de RMS e PMPO até seus fones de ouvido de MP3 player (para os pobres) e I-POD (para os afortunados). Ah, há também as medíocres caixinhas de som de celulares de hoje em dia, que costumo comparar com os radinhos à pilha de 15 anos atrás.
Eu sempre digo que um bom disco soa bem em qualquer lugar, em qualquer mídia e em qualquer formato – até mesmo no My Space, que “rouba” o brilhantismo de uma gravação. Pra quem não sabe (esse blog é destinado aos que não sabem. Aos que sabem, suas críticas são bem vindas, contando que seguidas de boas e úteis sugestões) a taxa de bits do formato MP3 caga em cima de um áudio. É como pegar uma foto do tamanho de 10 megapixel e transformá-la em uma foto de 2 megapixel para enviar por email. Tente revelar essa foto (pois o tamanho reduzido só te interessa para ser visualizado na tela do PC) e verá que o resultado é lamentável.
A mesma coisa acontece com os formatos de áudio reduzido (entende-se comprimido) conhecido como o revolucionário MP3. Depois que a música foi digitalizada, desde a captação usando computadores até a distribuição usando os Compact Discs (CD), o formato digital é o Wave, que tem alguns tipos de variações, mas vamos nos contentar com o Wave taxa de 16 bits. Esse Wave foi transformado em MP3. O arquivo (música, wave) que tem o espaço de 12 megabytes aproximadamente vai ser reduzido para uns 2 megabytes, com taxa de bits de 128 kbps (mp3). Que isso quer dizer? Quer dizer que você pega uma coisa grande e transforma em pequeno, matando o áudio.
Dito isso, volto ao ponto da boa mixagem. Ela tem que soar bem em todos os meios de audição. Fazer o quê... É o progresso.

É claro que todo o disco é um processo somatório: os músicos, as vozes, os microfones, os técnicos de som, os mixadores, os masterizadores, o estúdio. “Vejo Cores” é o resultado maior do que conseguimos fazer no momento.

Antes de iniciar minha árdua tarefa de mixar “Vejo Cores”, pedi auxílio para o cara citado no início do post. A forma mais sensata de fazer isso foi convidando o Fábio para mixar meu disco, “Esperanto”, que também foi gravado no Câmara de Eco. Com o Boto aprendi alguns conceitos que nem imaginava existirem. Surgiram dúvidas e esclarecimentos.
Feito isso, o grande trabalho seria agradar os ouvidos exigentes de Leandro Publio, André Leonardo, Adhemar Della Torre e Felipe Bier – malas ao extremo; e, claro, os ouvidos do mais mala de todos os tempos: eu.
A coisa foi simples: achar o volume e timbrar as peças da bateria, somar e equalizar o baixo, somar guitarras cortando os graves desse instrumento fabuloso, colocar as vozes em seus lugares.
Só que a coisa em si fica sem espírito se você se contentar apenas com a coisa. É aí que entra o espírito da coisa: a arte.
Li o “Guia de Mixagem”, de Fabio Henriques, que o grande Gustavo Missola me emprestou, onde o autor dizia que uma mix pode ser bastante artística – mas que com certeza não ia tocar na rádio. Cito como exemplo o Sgt. Pepper (dos FAB) e Meddle (do Pink Foda) como exemplos de mixagens abusadas no quesito “arte”.
Não vai tocar na rádio? Ótimo. Vi que eu estava no caminho correto, pois a Oito Mãos nunca teve a pretensão de tocar na rádio – acho que porque a rádio está atualmente um pouco banalizada. Mas a gente não sabe nada, tendo em vista que o Los Hermanos subiu no palco do Faustão. Mas, Pompeo, eles não tocaram Anna Júlia!

Se você prestar atenção, verá que a bateria de “Encontro de Almas” está toda do lado esquerdo do campo estéreo da mixagem; verá que há uma voz fininha acompanhando o vocal do André em “Na Sua Casa”; descobrirá um chorus na voz de “Verniz” em “e eu, e eu, eu sou um homem só”.
Poderá ouvir, também, os delays de “Alguém” nas vozes (esse em particular uma feliz viagem do André); o tímido delay na voz tímida do Bier em “Café”.
Ainda em “Café” poderá ouvir o baixo indo para o lado direito na parte em que o André canta “eu preciso, eu tenho é hora”.
Esses passeios pelo campo auditivo deram trabalho. Noventa por cento de uma mixagem consomem dez por cento do tempo. O resto do tempo é gasto nos dez por cento finais.
Quando achei que tinha terminado, queimei uma amostra do disco em um CDR e para cada um da banda. O Bier veio com um caderno cheio de anotações acerca da mixagem. Tinha dia que eu queria jogar meu computador no lixo. “Claire” deu um pau dos mais cabulosos. Perdi várias noites de sono pensando em um modo de esquentar as guitarras do riff de “Verniz”, que o André encanou dizendo que faltava “algo”.

Cara, tem que ser algo mais espacial, algo estelar” – Bier, sobre sua voz em “Se os astros e o universo convergem aqui”, de “Claire”.

Até eu viajei nessa onda. Mixando “Marina”, achei que faltava algo... Um cheiro. Água, terra... Frio. Chovia nesse momento. Liguei o microfone e captei a chuva.

Pelo o que nós nos propusemos a fazer, Marina está fantástica” – Beir, sobre não querer mexer muito na estrutura da música.

Põe um reverb nesse surdo” – Adhemar, sobre o início de “O que eu não vi em mim”.

Essa guitarra meio Chimbinha ta massa, hein?” – Publio, sobre uma guitarra swingada em “O que eu não vi em mim”.
Então eu desisti. Isso é o que temos pra mostrar. O melhor que pudemos fazer. Depois vem a neura: “Será que vão gostar?” O não a gente já tinha.

Pompeo.

4 comentários:

  1. O legal do Pompeo é que ele consegue captar toda a pauliceia (já aplicando o acordo ortográfico) que é nossas cabeças e traduzir isso tudo - 1 ano de brigas, erros e acertos - em uma crônica divertida e cativante!

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  2. Porra... vc faz um assunto muito chato pra um "leigo" (odeio esse termo, mas nao consegui achar outro)ficar divertido.

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  3. Pô, André... não conhece a obra de Mário de Andrade? A "Paulicéia Desvairada" é uma das mais importantes obras da literatura brasileira!

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