quarta-feira, 31 de março de 2010

Gravando um disco - perte 6

"Só" e "O que eu não vi em mim".

“Só” de sozinho, é claro. Mas pode ser compreendido no sentido de “apenas”. Pensando aqui com meus botões acho que um duplo sentido não seria absurdo. É óbvio que isso é assunto para o compositor esclarecer e espero que ele o faça no espaço reservado para os comentários.
O obvio esbarra na solidão do personagem diante da situação em que ele se encontra. Também podemos imaginar o personagem falando que há apenas ele, num modo bem Yoda de falar as coisas. Seria um acesso de humildade perante o amor próximo? “Só há eu”. Em outras palavras, “e eu, só!”.
Que doideira.
Publio demora, mas chega. Sempre digo:
- E aí, quando é que vai trazer mais alguma coisa?
- Estou trabalhando nisso.
Seis meses depois ele mostra a música. Quando resolve mostrar, é porque já tem começo, meio e fim. “Só” é um seis por oito rápido, bem chatinha de segurar o andamento. No fim ela vira um três por quatro (na ótica das guitarras) fundida com o mesmo seis por oito (na ótica da cozinha), numa seqüência linda de notas – Si Menor, Mi, Lá e Fá sustenido maior com sétima – tenho de dizer, seqüência dada por mim. Nada muito inusitado. Pra falar a verdade é uma seqüência bem óbvia e usual. O que me fascina é que o refrão começa com uma nota menor e termina em uma nota em sustenido, tanto na parte feita pelo Publio quanto na feita por mim. Músicas com seqüências assim fazem minha cabeça – é o que algumas pessoas adoram dizer quando falam que nossos gostos (meu e o do Oito Mãos) se espelham muito em Beatles e Los Hermanos. Olha, deixando isso claro aqui: somos loucos pelos Beatles e achamos o Los Hermanos a melhor banda nacional nos últimos 10 anos. Isso é unânime na Oito Mãos. Só que, em primeiro lugar – tudo, absolutamente tudo, que é rock and roll lembra os Beatles; em segundo lugar é que os compositores que usam notas dissonantes não são exclusivamente os Los Hermanos e a batida de Pretty Woman não foram os Los Hermanos quem inventaram. O que quero dizer é que uma comparação deveria ter um bom fundamento.
Há uma coisa intrigante no processo de mostrar canções novas um para o outro na Oito Mãos. É mais ou menos assim: O compositor avisa, quase ao nada, que fez uma música nova. Eu sou sempre (quase sempre) quem pára pra ouvir a música e o meu trabalho é ir já “sacando” o som. Quando a banda está disposta eles param o que estão fazendo para ouvir a música nova do companheiro. Quando a banda não está disposta não há refrão que os faça calarem a boca.
No dia que Publio mostrou “Só”, todos calaram suas bocas e ficaram com os olhos ligados, babando. Publio sentou-se com sua guitarra Jaguar desligada e cantou baixinho – do jeito que sempre canta ao mostrar algo novo – e nesse mesmo momento fizemos a seqüência final de notas já mencionada.
O restante da coisa rola nos ensaios. Essa faixa foi a que mais deu trabalho para o nosso Ringo, pois de alguma forma ele não entendia o seis por oito – corria demais ou atrasava demais. Na hora de gravar foi tenso, mas André sempre dizia:
- Relaxa Adhemar. Não estamos pagando a hora do estúdio.
Deu trabalho, mas rolou. E como rolou! Acho estupendo (pra não falar um palavrão) o uso dos tambores e do chimbal na ponte da música em “já posso aceitar a dor...”. Foi divertido mixar esse momento e perceber o espectro estereofônico dos ton-tons quando eu os separei em pan – um para cada lado das caixas. Ponha um fone de ouvidos e ouça os tambores bem soltos em suas afinações, migrando de um lado a outro, com a acentuação no chimbal. Foda!

“O que eu não vi em mim” foi um parto. Sempre me dava a impressão de que faltava alguma coisa. Tentamos de tudo. Nos ensaios ela simplesmente não rolava. Quando o Publio apareceu com ela, eu disse imediatamente que faltava um refrão. No ensaio seguinte lá estava o refrão.
Se não fosse a crença e insistência do Publio depositada nessa música, acho que ela não teria entrado para o set list de Vejo Cores.Bier me disse, numa das conferências da masterização, que a música havia ficado linda, e disse exatamente assim pra mim:
- E pensar que quase a deixamos de fora...
Resolvemos, então, grava-la para ver no que ia dar. Deu certo.
A intro na bateria é crédito do Adhemar. Alguém sugeriu que ele usasse o surdo ao invés do ton.
O chato dessa música – que só fui perceber quando gravamos as guitarras – era que todo mundo tocava ao mesmo tempo, resultando uma insuportável bagunça. Quando se grava, temos uma maior dimensão da coisa.
Quanto ao teclado, nós tínhamos o som de piano – piano demais vira Coldplay, como alguém citou em algum site dizendo que “Claire” parecia “The Scientist”, é interessante como as pessoas interpretam e recepcionam a música em pontos de vistas diferentes – e usei um órgão, acompanhado de uma guitarra levemente distorcida na base rítmica somada com os segredinhos do André. Publio só começa a tocar em “confesso que me acostumei”.
Depois o espectro das guitarras de desloca. Há a fabulosa guitarra “Ximbinha”, swingada, com Adhemar dobrando o chimbal em “nem tudo o que eu faço é...”.
Depois que virei fã incondicional de Pink Floyd e Radiohead é que fui entender a introdução de alguns elementos eletrônicos no rock. Não vou entrar no mérito da discussão da música eletrônica – embora meu Twitter já revelou o que eu acho sobre uma parte desse segmento. O fato é que o refrão e no fim dele há aquele sintetizador calçando uma porrada na nossa cara. Aquele momento sombrio no fim do primeiro refrão, em Fá Sustenido, lembra “Sweet Dreams”.
Enfim.
São duas canções intrigantes. A primeira pode ser encarada como a mais pop do disco. A segunda como um rock onde a gente ousou e experimentou – muito! – enquanto apertávamos o rec.

Felippe Pompeo.

4 comentários:

  1. Uma coisa que quero consignar: as COMPOSIÇÕES das bateria SÃO MINHAS. Desde o começo, tocava o surdo em "o que eu não vi em mim". O que eu fiz - e vcs todos concordaram - foi simplificá-lo na gravação (e VOCÊ, Pompeo, achou "foda").
    Abraço!

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  2. O Adhemar sempre teve participação ativa na composição de "O que eu não vi em mim"... ele até sugeriu um nome pra música que foi rejeitado pelo compositor.. haha

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  3. Em "Só", eu pensei em colocar o capotraste num lugar que nunca tinha visto e de certa forma insuperável.
    Então o coloquei na casa 12 da guitarra, e toco a partir dessa casa.

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