quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Fazendo um disco - Parte 1.

Se tem uma coisa que esquecemos de fazer no decorrer da gravação de “Vejo Cores nas Coisas”, essa coisa é o chamado making of. Sabíamos que estávamos fazendo algo muito importante para todos os envolvidos. Desde que conheci a banda, minha vida só cresceu. Tenho a impressão de que somos aquele tal acidente esperando para acontecer, como diz a letra de There There, da banda inglesa Radiohead.
Quando eu entrei para a banda com a condição de tentar melhorar musicalmente o relacionamento entre eles, a meta sempre foi gravar um disco. O André me chamou para ser empresário da banda. Eu havia ouvido a demo deles intitulada “Inverno Inusitado”, e logo com o nome do trabalho já fiquei com os olhos atentos. Fazia tempo que não ouvia o nome de um disco tão profundo. Pelo menos foi a impressão que me deu. Até o nome do disco da minha banda, “Até o Fim”, me soava como falta de coisa melhor. Os disco do Los Hermanos – até então o que havia de mais perfeito para nós – tinham seus nomes com um possível impacto - “O Bloco do Eu Sozinho”, “Ventura” e “4”. Nesses tempos eu me sentia num bloco apenas meu, pois eu achava ser a única pessoa em Campinas a fim de fazer música própria, com pitadas de Los Hermanos, Oasis e, claro, Beatles.
Vi no Oito Mãos a possibilidade de crescer como artista, pois os meninos sempre tiveram a criatividade fora do comum, encorajados por um leve “foda-se” para aquilo que chamam de comércio, somado com uma boa pitada de inteligência acadêmica.
André é filósofo, Bier é sociólogo, Publio é publicitário e Adhemar um baita de um advogado. E eu, um simples músico com uma carreira um pouco na frente deles. Eu havia gravado com Sérgio Dias, ex-Mutates, e usei esse argumento para tudo e todos. Eu tinha 2 discos gravados – um no Basement, em Campinas, por Tarsa e Piuí, e mais tarde no Midas Estúdio, produzido por Toninho Ruiz.
Eu tinha uma experiência a mais com certas coisas, como colocação vocal, afinação vocal, tempo musical, caminhos e arranjos que a música poderia tomar. Eles sabiam disso e resolveram arriscar colocando um louco para produzir aquele manicômio.
No dia em que conheci a Oito Mãos, estávamos numa padaria próxima a casa do André, local onde virou nosso ponto de encontro, e vi eles ali, comendo pão de queijo e o tradicional suco de laranja para o Bier. Conversamos bastante e fomos para a casa do André, onde por todo o resto do tempo ocorreram os ensaios, as gravações de “Vejo Cores”, “Esperanto” – o meu disco; a gravação de duas canções cover do Oasis para uma banda de amigos – a Ladz; e a mix final do single “Viu Bee”, dos grandiosos JB e Seus Amigos Sex Symbols.
- Quero ouvir a canção que vocês acham a melhor do repertório.
Então eles se apresentaram para mim tocando “História de Outra Vez”. Achei tudo muito confuso, mas ao mesmo tempo percebi que ali tinha coisa. Vi neles uma banda nova, um som que me agradou muito, e, principalmente, a possibilidade de eu crescer. Depois tocaram “Vidros Altos”, “Amor Inconseqüente”, “Alguém”, “Sei Lá”, e outras que não me lembro. Depois finalizamos o ensaio com eu assumindo a guitarra do André e fizemos umas 12 canções do Oasis.
É claro que esse Making Of é baseado na minha memória, pois como eu comentei anteriormente ninguém se mexeu para registrar em vídeos as coisas que fazíamos no estúdio. Só que a minha memória não anda mais tão confiável. Ela parece uma fita K7 bem velha, que teima em funcionar, mas que às vezes pipoca.



Sei Lá

Essa foi a primeira canção que gravamos, com o argumento de que eu queria ver como o André, Bier e Publio se saiam cantando em estúdio. Eu perguntei pra eles quem que eles achavam que era o melhor cantor. Elegeram o André.
“Sei Lá” é uma canção ácida, puro rock and roll, barulhenta, cheia de condução em prato de ataque, resultando numa parede de fúria sonora. Depois do primeiro refrão, vinha as vozes, respectivamente, de Publio, Bier e depois entrava André rasgando suas pregas vocais, de um modos que eu sempre admirei, pois me passava a idéia de loucura, e era justamente isso que a letra me mostrava: um louco falando qualquer coisa pra no fim dizer “ah, eu sei lá.”
Até onde eu sei, André tem uma canção chamada “A Menina Perfeita Pra Mim”, e que eu apelidei carinhosamente de “Faroeste Caboclo” da banda, pois a canção tem uns belos 15 minutos. Ocorreu que numa tentativa frustrada de passar essa canção pra banda, André prometeu que faria uma canção “de banda”, pra calar a boca dos idiotas que não o entenderam. Foi assim que nasceu “Sei Lá”.
Eu havia entrado em contato com uma galera do meio gospel. Um disco relativamente bem feito veio para nas minhas mãos, gravado por Marco Dian – que apelidamos de “bixo”, pois o cara sempre nos chamava assim quando se referia para um de nós. O estúdio dele é em Sumaré. Fomos pra lá conhecer o local e eu logo me apresentei como produtor musical da banda e já fui falando pra ele que eu não era nenhum fodão, que eu apenas sabia o que eu queria.
A música foi gravada uma semana depois, num sábado e num domingo. O auxiliar de estúdio falava que tínhamos um tal “papo de surfista” ao ouvir nossas viagens filosóficas. É de se entender quando você para pra prestar atenção numa conversa coloquial entre André e Bier, defendendo o discurso direto e o propósito do significado, argumentando com textos e autores que vão além de Aristóteles e Platão.
No geral a canção soa bem. André berrou do jeito que eu quis. Adhemar tocou forte e no tempo. Bier matou seu baixo no segundo take e Publio não deu trabalho com a Fender Stratocaster que emprestamos, plugada no meu Fender Princetom 112 Plus, usando um pedal de drive Tube Screamer, da Ibanez – o famoso verdinho. A única coisa que me incomoda nessa gravação é o som da caixa da bateria e o modo “seco de mais” que tem aquela mixagem.

Volto depois falando sobre "História de Outra Vez e Guarde a Última Dança"

Felippe Pompeo.

Um comentário:

  1. Essa gravação de Sei Lá é muito clara na minha memória. Era setembro de 2006 e lembro que fomos duas vezes pra Sumaré: uma pra conhecer o Bixo, outra pra gravar. Na segunda, fomos bem cedo, com aquela neblina e aquele ar friozinho de primavera. Foi uma experiência bem legal, a nossa primeira gravação com o Pompeo como produtor.

    Ah, e lembrei que esse cara que falava que a gente tinha papo de surfista não sabia o que era "dual", uma palavra da letra. Hehe... nesse momento percebi o quão inusitada é essa letra do André: "no meio da feira, um adolescente vem me dizer 'o mundo está doente'. Oh, esse adolescente me acha bem legal... Mas, meu deus, como posso responder com um mundo tão dual?"

    Somos o adolescente ou o cara que não sabe responder? Não tenho certeza!
    Abraços!!

    Bier

    ResponderExcluir