segunda-feira, 12 de abril de 2010

John Lennon - parte 3

O André me propôs que expusesse aqui alguns dos meus pensamentos sobre o John, coisa que já fiz de forma meio dispersa nos posts do próprio André e do Pompeo. Bom, vamos lá!

Eu começo com aquilo que aquilo que ficou meio no ar nos últimos comentários: por que digo que sua música é visceral. Isso é ruim (o Pompeo muito bem perguntou). Realmente, visceral pode e deve ter um significado ambíguo. Quando escrevi pela primeira vez, ele tinha o senso de algo que vem das entranhas, no caso a música. Mas isso deve necessariamente significar algo que é ao mesmo tempo essencial - e por isso preciso e simples - e também agressivo, pulsional. E não é de outro jeito que vejo a música do John: o seu começo de carreira solo é claríssimo nesse sentido.

Isso é algo que é dito muito sobre o John: que ele era o mais ácido dos quatro. Mas acho que poucas pessoas atentaram para que tipo de estética sua acidez aponta, e ela é necessariamente a estética da maior doçura entre os quatro. Então, sim, John Lennon era, concomitantemente, o mais desequilibrado, mas o que mais sabia equilibrar estes antagonismos.


A minha tese é de que somente quem fez algo maluco como o Two Virgins, que chega a ser inaudível em algumas partes, pode fazer algo genial como as canções encontradas no Plastic Ono Band, Imagine, Mind Games etc. Por um tempo, o John ficou fascinado pela terapia do grito primal, provavelmente por representar uma forma de retornar a alguma espécie de simplicidade primordial, escondida debaixo de tanta coisa relacionada à sua imagem como um Beatle e como uma figura pública que deveria dar respostas. A marca do grito primal é claríssima nos primeiros álbuns, até na própria temática escolhida para as composições. O Plastic Ono é aberto por Mother, canção bastante simples em sua estrutura e em sua letra. Não há segredos, não há nada escondido, nenhum significado oculto. Está tudo ali, dado ao ouvinte de bandeja. Como a música ganha tanta potência expressiva, então?



Na segunda música, Hold On, John diz:

Hold on John, John hold on,
It's gonna be alright,
You gonna win the fight.
Hold on Yoko, Yoko hold on,
It's gonna be alright,
You gonna make the flight.
When you're by yourself,
And there's no-one else,
You just have yourself,
And you tell yourself,
Just to hold on.

Há forma mais direta de se passar a mensagem? John está falando com ele mesmo e, ao mesmo tempo, parece se dirigir a uma criança assustada, que não consegue dormir e que pede à mãe que fique ao seu lado na cama até que ela pegue no sono. John faz apelo a essa imagem novamente na música que fecha o álbum: My Mummy's Dead. Simples, básica, nenhum segredo. John, como na capa do Two Virgins, tira completamente toda e qualquer tipo de veste que possa ficar entre a música e sua essência: suas vísceras. Ele volta
às temáticas mais simples, as reminiscências mais banais para as quais um adolescente escrevendo versos no colégio poderia apelar: a saudade da mãe morta, o isolamento, o desamparo, a desilusão etc. Por que, então, que sua música, sobretudo neste período, não ficou boba, de assimilação fácil e banal?

Precisamente porque ela é verdadeiramente visceral: uma coisa é você utilizar suas dores e suas lembranças de infância como temática para uma música, todos temos o direito de fazê-lo, ainda que na maioria das vezes o resultado seja... banal. Mas, como uma cebola sendo descascada, John trabalho sobre o simples, ele buscou o simples após ter conhecido o complexo alguns anos antes com os Beatles. Ele passou pelo Two Virgins - ou seja, teve a coragem para isso, coisa que acredito que ninguém faria em seu tempo e muito menos hoje - e depois dessa travessia pôde voltar para as reminiscências com a autoridade do autor que sabe quais os temas está escolhendo, como tratá-los e como dar-lhes, paradoxalmente, uma simplicidade tamanha que tais temas se expandam esteticamente.

Aqui eu arriscaria dizer que, desta oposição brutal entre o duplo significado de visceral (acidez e essencial), existe uma síntese que é o amor. A concepção do John sobre o amor é essencial para que esta mistura dê certo, para que os elementos dêem liga, para que eles não descambem para a loucura ou para a mesmice e a monotonia. Sua obra, principalmente neste começo de carreira solo, tem a imagem espectral da Yoko rondando-a ao tempo todo. Não considero isso uma coisa ruim, como já foi dito no post anterior: ao contrário, acho que a música deve muito à Yoko, pois com ela John Lennon conseguiu erigir uma concepção belíssima do amor, para mim até hoje somente comparável à concepção de Guimarães Rosa em 'Grande Sertão: veredas'.

E é com a letra de Love que eu fecho esse post:

Love is real, real is love
Love is feeling, feeling love
Love is wanting to be loved

Love is touch, touch is love
Love is reaching, reaching love
Love is asking to be loved

Love is you
You and me
Love is knowing
we can be

Love is free, free is love
Love is living, living love
Love is needing to be loved

Nada mais simples, não? Nada mais profundo ao mesmo tempo. Através de um 'simples' jogo de inversões, John consegue criar um amor que é mais real do que qualquer outra coisa, um amor que consegue fazer o real se tornar ainda mais real. Um amor de tamanha potência que chega a ser agressivo: love is needing to be loved. Um amor livre porque é total comprometimento (paradoxal? para mim não). Enfim: amor visceral.

E tem gente que ainda diz que não gosta do John porque acha ele 'meio depressivo'... Ah, para esses eu não tenho nem resposta. Deixemos que sua música fale por si, durante os séculos que virão.

Ass: Bier

8 comentários:

  1. Cara, eu tomo cuidado para não "endeusar" esses caras. É bom lembrar que John foi um afortunado no sentido de ter a quem ouvir suas obras. Um artista é sempre taxado como louco, ou sei lá o que. Você fala como se apenas as últimas coisas dele foram fantásticas. Lembra de "In My Life", ou "You Gonna Lose That Girl"? Elas eram simples? Eram complexas? Enfim, ele era mais do que um músico, ou artista, ou simples, ou visceral...Ele era um beatle, e acho que aí que mora a profundeza da coisa.

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  2. Não falo como se somente as últimas coisas dele fossem fantásticas, apenas dei um enfoque maior nesse período da sua produção pois é o que estou ouvindo/pensando ultimamente. O Beatle John mereceria alguns tópicos para ser 'explicado', certamente (o que não seria nada fácil, já que pressupõe uma análise dos outros 3 caras). E com certeza seria possível e muito interessante lançar um olhar crítico pra sua história como músico. A questão da visceralidade, da simplicidade etc. vai no sentido exatamente da desmistificação da figura John através de algo que é indubitavelmente verdadeiro: sua obra. Colocá-la em perspectiva sempre tem essa vantagem.

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  3. "Um amor livre porque é total comprometimento"

    nossa. vale a pena viver.

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  4. Uma coisa que fiquei em dúvida, é sobre sua comparaçao com guimarães, ja que nao manjo desse aí. Daria pra explicar pra mim aqui? ehehe

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  5. a concepção de amor na cultura rock pop, tb renderia mtos topicos legais!
    ai entram nossas musicas tb...e vidas, ehehe.

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  6. Então, esse lance do amor em Guimarães é algo um tanto quanto complicado, mas resumindo bem (e me atendo somente ao contexto do Grande Sertão), o amor aparece na obra com uma dupla face e num duplo sentido de destino: fruto da desmontagem da subjetividade, que desce até os níveis mais primários ao retratar a violência, o amor surgiria tanto como o destino ligado ao desejo, à violência e ao seu ciclo mítico, tanto como a força que, dialeticamente, rompe com esse fundo de dissolução da cultura e promove uma linguagem poética de altíssima potência de realidade. O amor do Riobaldo por Diadorim é isso no romance: amor tensionado, que nunca se realiza, porque simboliza a própria possibilidade de experiência histórica num mundo desencantado, mas uma possibilidade que só existe através da fratura, do mergulho na violência e da extração desse vazio da matéria poética.

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