quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Café, pelo batera

Peço venia para dirigir-me ao baixista Bier. Confesso que nunca havia me atentado à profundidade imanente que impregna a canção. Peço venia a você também, caro leitor, que muito me honra com seu precioso tempo e peculiar atenção. No mais, afastar-me-ei dos eufemismos particulares e da rebuscada linguagem utilizada por nosso baixista, preferindo atribuir caráter lúdico à nossa suscinta prosa.

Remexendo o dia, com uma colher de chá. Simples assim. A imagem que me salta é serena, harmônica. Revela uma despreocupada ação comissiva de entreter-se com as banalidades do cotidiano: quem nunca alçou voo em seus pensamentos ao agitar uma colher em uma xícara de chá, ou copo de leite com achocolatado... geralmente são ações tão corriqueiras que sequer prestamos a devida atenção àquilo que fazemos. É o mesmo que trocar as marchas ao dirigir, ou murmurar um palavrão quando nos aborrecemos: são automatismos presentes em nosso dia-a-dia. E foi muito bem ilustrado pelo baixista-compositor, que captou com primazia a essência da serenidade da ação - algo fugaz e, ao mesmo tempo, profundo.

Imagine o que achei: remonta, a meu ver, ao despertar consciente - de súbito - para algo revelador e de importância para o interlocutor. Um pensamento vago que tomou forma relevante; a descoberta da resolução de um problema que atormentava quem despretenciosamente remexia com a colher.

Tantas horas vagas, tantas notas soltas: remonta igualmente à descoberta. O ócio - revelado pelo exíguo lapso temporal de despreocupação - remete à preocupação do interlocutor. É o cerne de seu problema.

E sobre a mesa, café, pão e queijo: reflete a volta do movimento transcendete perpetrado pelo interlocutor. É o retorno ao status quo ante, onde - novamente consciente - depara-se com os objetos que pairam sobre a mesa.

É preciso, é tempo, é hora; já foi o tempo de olhar pra trás: aqui, a quebra na cadência é marcante - uma vez que invade a composição original a idéia de outro compositor (André Leonardo). Pode ser encarado como um movimento de involução musical, visto que nos deparamos com uma verdadeira tormenta de idéias estranhas à estrofe inicial. É algo enigmático e, ao mesmo tempo, despretencioso. Porém, interpreto como um chamado para o avanço, para a caminhada, que fica evidente na próxima frase navegar, tratar de avançar. É fruto da ótica progressista da Oito Mãos.

Se for acidental será um sinal; se for acidental, menos mal; se for acidental... - aqui, sobrepõe-se a revolução à involução: o elemento accidit implica em avanço, sobrepujando-se ao marasmo que se remonta à ação inicial contida no primeiro verso da primeira estrofe.

E eu lembrei daquela vez; dos versos que eu te dei: o verso retoma a ótica do idealizador inicial, Felipe Bier. Em contrapartida, há uma ruptura com a banalidade que marca o primeiro momento da canção e o rito de passagem - identificado como a composição de André Leonardo. O passado é presente e se configura elemento ativo da canção, que norteará a atitude do interlocutor daqui em diante.

Eu consegui te alcançar, eu consegui te tocar: sob meu ponto de vista, estamos diante do verso com maior grau de lirismo da canção. Seu caráter ambíguo revela o charme do eu-lírico adotado por Felipe Bier: te toquei fisicamente ou te toquei com os versos que te dei? Fica consignado meu convite a você, leitor, para que interprete da maneira que mais lhe tocar.

Solta na infância, dentro de palavras: meus caros, não faço idéia do que quis dizer o compositor. Imagino algo como Lucy in the sky with diamonds: psicodelia genérica que dá um charme à cadência do disco.

E sobre a mesa, o chão, a gente, e o mundo: traz a idéia de aglutinação de ideais, etnias, culturas. Uma verdadeira salada de informações que são utilizadas para a criação das composições - tanto letra como música - e que refletem o íntimo da banda.

Essa é minha visão da excelente composição de Felipe Bier Nogueira e André Leonardo Santos - da qual tive o privilégio de participar - tanto do momento criativo, quanto da composição musical. É importante que o leitor conheça a música para sentir aquilo que ela lhe diz - afinal, as interpretações são pessoais. E é essa valoração paralela que convido você - leitor - a realizar dessa e de qualquer outra canção da banda.

Aguardo seu comentário!

Adhemar Della Torre.

Um comentário: